quarta-feira, 18 de março de 2015

70 - O PT e a busca da hegemonia

O significado do 15 de Março de 2015

Ou, por que a sabedoria está em confiar em quem busca a verdade, e sempre desconfiar de quem quer ter a hegemonia da verdade

Por: Eurípedes Alcântara

O domingo passado será lembrado em nossa história como um marco delimitador do avanço do hegemônico do PT no Brasil. O modelo de dominação política que o PT detalha nos seus documentos, resoluções e cartilhas exige duas condições básicas para funcionar. A primeira é a censura à imprensa, com evolução para a completa supressão da liberdade de expressão. A segunda, é um corolário da primeira e responde pelo nome de "hegemonia". A obsessão com a conquista da "hegemonia" é forte no PT, mas seus doutrinadores sempre se esquivam de explicar o que isso significa.

É difícil encontrar uma manifestação oficial do PT em que a expressão "hegemonia" não apareça. Um entre centenas de exemplos está na Resolução Política divulgada pelo PT logo depois da contagem dos votos das eleições passadas, que deram a vitória nas urnas a Dilma Rousseff. Diz o documento: "É urgente construir hegemonia na sociedade, promover reformas estruturais, com destaque para a reforma política e a democratização da mídia".

Do Dicionário Houaiss:
Hegemonia (substantivo feminino)
1 - Supremacia, influência preponderante exercida por cidade, povo, país etc. sobre outros
2 - Derivação: por extensão de sentido, autoridade soberana; liderança, predominância ou superioridade

Com base apenas no verbete de dicionário, já seria altamente suspeito que um partido político coloque para si como objetivo "urgente" conquistar a "autoridade soberana" e a "predominância" sobre os outros. Qualquer partido que tenha a hegemonia como objetivo não pode, por definição, ser um partido democrático.

O PT, portanto, precisa entender que, de duas, uma: ou renuncia à hegemonia ou desespere de ser visto como um partido apto para o jogo democrático, cuja premissa é a de que nenhum dos participantes deve objetivar a "autoridade soberana" sobre os outros.

Os doutrinadores petistas escapam como bagres ensaboados quando se pede que expliquem ao distinto público, afinal, que raios entendem por hegemonia. Entre quatro paredes eles debatem avidamente esse ponto. Melhor poupar o leitor de devaneios sobre as origens e variações filosóficas da hegemonia política e saltar para o que realmente interessa:

1) Quem, quando e onde obteve essa hegemonia.

2) O que foi preciso para alcançá-la.

Vamos lá.

1) A hegemonia pela qual o PT é obcecado só existiu e existe em regimes totalitários em que a democracia foi erradicada: na Rússia soviética sob Stálin, na Alemanha nazista sob Hitler e, perifericamente, em países irrelevantes como Cuba e Coréia do Norte.

2) Para obter a hegemonia naqueles países foi necessário:

a) Formar um regime de partido único colocando na ilegalidade todos os demais

b) Prender, fuzilar ou exilar depois de julgamento sumário as pessoas que pensassem de forma diferente

c) Censurar todas as formas de expressão cultural e eliminar a imprensa livre

Vamos reler o trecho da recente resolução do PT em sua forma dissimulada: "É urgente construir hegemonia na sociedade, promover reformas estruturais, com destaque para a reforma política e a democratização da mídia".

E, agora, substituindo os termos abstratos pelo que eles significam na prática: "É urgente formar um partido único colocando na ilegalidade todos os demais, promover a retirada de circulação de todas as pessoas que pensem de forma diferente, com ênfase na censura à imprensa e supressão de todas as formas de expressão em desacordo com o partido".

Podemos estar cometendo uma injustiça atribuindo ao PT objetivos que nem de longe são os acalentados pelo partido? Existe a possibilidade de que esses objetivos sejam privativos de uma ala radical e minoritária do PT? Sim, mas para que isso fique claro seria do interesse do próprio PT que seus dirigentes explicassem esse ponto com maior clareza.

Enquanto o esclarecimento não chegar às massas vestidas de verde e amarelo que foram às ruas no domingo passado e já preparam novas manifestações, elas vão gritar que "nossa bandeira nunca será vermelha". Em outras palavras, enquanto o PT não explicar como pretende obter a hegemonia e o que planeja fazer com ela caso atinja seu objetivo, o mais prudente mesmo é seguir o sábio conselho do escritor francês André Gide, premiado com o Nobel de Literatura em 1947: "Confie em quem busca a verdade, mas sempre desconfie de quem a encontrou".

http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/o-significado-do-15-de-marco-de-2015

terça-feira, 17 de março de 2015

69 - Os Idos de Março

Os Idos de Março

O 15 de março é uma data carregada de história – e de ficção

Por: Eurípedes Alcântara
 
Depois das grandes manifestações dos brasileiros contra o governo no domingo, dia 15 de março, muita gente se lembrou que há trinta anos, em um 15 de março, José Sarney tomou posse na presidência da República, colocando fim no regime militar instaurado em 1964. Fernando Collor também tomou posse em 1990 em um 15 de março, embora a data mais lembrada de seu atribulado período de poder seja o 29 de novembro de 1992, quando, em meio a um processo de impeachment no Congresso Nacional, deixou o Palácio do Planalto.

Mas esses eventos empalidecem diante de dois registros históricos de 15 de março. A chegada de Cristóvão Colombo à Espanha depois de descobrir a América e o assassinato de Julio César, o ditador romano apunhalado no ano 44 aC por senadores enciumados com seu crescente poder e temerosos do provável plano de se tornar ditador perpétuo da República Romana.

Os acontecimentos em torno do assassinato do grande general romano são mais conhecidos pela tragédia Júlio César, de William Shakespeare, do que mesmo pelos registros dos historiadores Lívio, Cassius Dio e Suetônio. Sobrevivem muitas ambiguidades a respeito de César. Muitas, mas não todas, introduzidas na corrente do pensamento moderno por Shakespeare. Como Kaiser e Czar, títulos dos monarcas alemães e russos, derivam de Cesar, dá-se quase sempre a confusão de que ele foi imperador de Roma - também por que se fazia chamar Gaius Julius Caesar Imperator et Pontifex Maximus. Ele era Imperatur para seus comandados nas legiões. Imperatur é comandante. Pontifex Maximus definia seu cargo (aliás, comprado pelos parentes ricos) de mais alto sacerdote.

A Roma de Julio Cesar era uma república. Seu filho adotivo, Otávio, foi o primeiro imperador romano. Shakespeare não se confunde nessa questão, mas, interessado em escrever uma peça só para ela, o dramaturgo inglês apagou de Júlio César a presença de Cleópatra, que estava em Roma no dia do assassinato de César. É de Shakespeare também a criação das derradeiras palavras de César ao receber a última das 23 punhaladas fatais dadas pelos senadores daquele que mais amava - e que as línguas de Roma diziam ser seu filho, apesar de César ter quinze anos quando o senador nasceu: "Et tu, Brute!" ("Até você, Brutus!" ).

Os mesmos rumores de que Cesar era pai de Brutus dão como mais certo que ao morrer o ditador falou em grego "Kai su, teknon!" ("Até você, filho!). Como forma de se diferenciar do latim da patuleia, os senadores romanos mais cultos em 44 antes de Cristo discursavam e conversavam em grego.

Shakespeare aproveita isso no diálogo entre Casca e Cássio, senadores aliados de César. Casca relata a César e a Cássio como foi a sessão do Senado naquela tarde.

CÁSSIO: Cícero falou alguma coisa?
CASCA: Sim, ele falou em grego.
CÁSSIO: E qual foi a reação?
CASCA: …não entendi nada… aquilo foi grego para mim.

Assim Shakespeare ajudou a impulsionar rumo ao nosso tempo a expressão latina "Graecum est; non legitur", que os monges medievais diziam de manuscritos em grego que não conseguiam traduzir. Deu no nosso familiar "Isso pra mim é grego", que usamos para dizer que não entendemos nada sobre que acabamos de ler ou ouvir.

Voltando ao 15 de março. Naquele dia, na peça, um adivinho no meio da multidão grita na direção de César quando ele ia para o Senado para o encontro com a morte: "Cuidado com os Idos de Março."
Desde então, a expressão os Idos de Março é usada para assinalar algum perigo iminente, mas ignorado. Outras datas referenciais do calendário lunar romano, as "Nonas" e as "Calendas" não tiveram a sorte de aparecer na peça de Shakespeare. As Nonas (o quinto ou sétimo dia, dependendo do número de dias do mês) praticamente foram esquecidas. As Calendas (o primeiro dia do mês seguinte) sobreviveram na expressão "Fica para as calendas gregas", significando que algo foi adiado indefinidamente. No calendário grego não havia calendas. Os Idos de Março, originalmente, marcavam o primeiro dia de lua cheia do Ano Novo, mas no tempo de Julio César eles já se referiam aos dias 13, 14 e 15 de Março. Mais de dois mil anos se passaram e os Idos de Março ainda assombram.


http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/os-idos-de-marco