quarta-feira, 30 de março de 2011

30 - O Encilhamento


Segue um texto sobre a política econômica da República da Espada e o Encilhamento. Ele foi publicado originalmente no site da revista História Viva.

Encilhamento: o primeiro pacote

Rui Barbosa (1849-1923) foi o primeiro ministro da Fazenda da história republicana do País, nomeado pelo chefe do governo provisório da recém-proclamada República dos Estados Unidos do Brasil, general Deodoro da Fonseca. Ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, ele manteve-se no cargo por 14 meses.

Adepto dos ideais liberais, Rui Barbosa rechaça seguir os caminhos das políticas econômicas de caráter protecionista, as quais considerava "preconceito mercantilista do século 18 a refletir-se no século 19". Suas primeiras ações ministeriais concentram-se na elaboração da primeira Constituição republicana. Rui, preocupado em defender os interesses nacionais contra os descrentes da nova realidade política do País, foi o principal redator da Carta Magna.

A administração monarquista deixara-lhe um Tesouro falido, mas Rui é obstinado diante de seus objetivos de substituir a antiga estrutura agrária baseada na exportação de café, promover a industrialização e incentivar o crescimento econômico.

Para atingi-los, ele implementa uma série de medidas reformadoras - que atingem principalmente o crédito hipotecário e o crédito à lavoura e à indústria. Todas essas iniciativas obedecem ao sentido renovador que desejava implantar a fim de possibilitar o desenvolvimento das forças produtivas "entravadas por um aparelho estatal obsoleto e por um retrógrado sistema econômico e financeiro", como relata Nelson Werneck Sodré, em sua obra História da Burguesia Brasileira.

Mas o grande desafio era superar a escassez de moeda, agravada pelo crescimento do trabalho assalariado, resultado do fim da escravidão e da maciça chegada de imigrantes. Neste momento, era grande o debate quanto à orientação macroeconômica a ser adotada no Brasil. Ao passo que os metalistas defendiam a volta do padrão ouro, os papelistas acreditavam que a pressão sobre o crédito seria sanada com a emissão de moeda.

Inspirado no sistema bancário norte-americano e coerente com seus ideais "industrializantes", Rui Barbosa decreta a lei bancária de 17 de janeiro de 1890, que estabelecia as emissões bancárias sobre um lastro constituído por títulos da dívida pública.

Essa política monetária, chamada de Encilhamento (gíria carioca que aludia ao lugar do hipódromo onde ficam os cavalos), buscava "atender às legítimas necessidades dos negócios, já que havia no País uma demanda reprimida de numerário". Com esse objetivo, foram estabelecidas três instituições bancárias regionais (Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul), cada uma com seu banco emissor. 
No Rio de Janeiro, região central, foi criado o Banco dos Estados Unidos do Brasil (BEUB), de papel preponderante no novo sistema. Cada região bancária tinha a função de expandir o crédito e estimular a criação de novas empresas.

O resultado das emissões, porém, é um desastre. Em vez de financiar a industrialização, gera um dos maiores surtos inflacionários do País e também desenfreada especulação financeira na Bolsa de Valores, pois o dinheiro fora desviado de seu propósito inicial para toda a sorte de negócios, muitos deles fictícios. Fortunas surgem da noite para o dia, enquanto a economia brasileira sofre violento colapso.

A grande euforia industrial-financeira só termina com o corte da emissão de moeda, muito desvalorizada, o que gera uma grave crise econômica e contribui para o isolamento político de Deodoro da Fonseca. Em 20 de janeiro de 1891, o primeiro ministro da Fazenda do Brasil deixa o cargo. E o presidente renuncia em 23 de novembro do mesmo ano, sob iminente ameaça de deposição pelos republicanos, representados pelo vice-presidente Marechal Floriano Peixoto, que assume "naturalmente" a presidência.

Fora do governo, Rui torna-se o principal opositor das arbitrariedades e dos desmandos autoritários de Floriano Peixoto e em tenaz crítico dos primeiros presidentes civis: Prudente de Morais e Campos Salles. O apelido "Águia de Haia" provém de sua participação na II Conferência de Paz, em Haia, na Holanda, em 1907.





29 - Positivismo e republicanismo no Brasil

Pessoal, segue um ótimo texto sobre o positivismo e sua influência política no Brasil. O autor do artigo é o historiador Rafael Augusto Sêga. Ele foi publicado originalmente no site da Revista História Viva.

Ordem e Progresso
Mais do que um simples lema na bandeira, as idéias positivistas de Augusto-Comte impregnaram a nascente República brasileira.

A verdade, meu amor, mora num poço, / É Pilatos, lá na Bíblia quem nos diz, / E também faleceu por ter pescoço, / O (infeliz) autor da guilhotina de Paris. / Vai, orgulhosa, querida, / Mas aceita esta lição: / No câmbio incerto da vida, / A libra sempre é o coração, / O amor vem por princípio, a ordem por base, / O progresso é que deve vir por fim, / Desprezaste esta lei de Augusto Comte, / E foste ser feliz longe de mim.

Este trecho do conhecido samba de Noel Rosa e Orestes Barbosa, Positivismo, de 1933, demonstra a presença da filosofia positivista no meio cultural mais popular do Brasil, a música, ao retratar uma amada que transgrediu o fundamento básico de tal filosofia. Não obstante, essa corrente de pensamento também se faz presente no dístico de nosso maior símbolo pátrio, a bandeira: Ordem e Progresso. É curioso, mas a tentativa mais efetiva de colocar em prática a doutrina positivista, uma ideologia tipicamente francesa, foi realizada em um país latino-americano: o Brasil.

Como isso aconteceu?

A pergunta exige o conhecimento de certos aspectos das origens e dos fundamentos do pensamento positivista ainda na França no século XIX, para mostrar sua chegada e ascendência sobre o pensamento brasileiro dentro do contexto histórico e cultural da época.

O positivismo

O avanço científico europeu do início do século XIX, decorrente da Primeira Revolução Industrial, fez com que o homem acreditasse em seu completo domínio da natureza. O positivismo surgiu nessa época como uma corrente de pensamento que apregoava o predomínio da ciência e do método empírico sobre os devaneios metafísicos da religião.
Nesse sentido, o movimento intelectual erigido por Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier Comte, ou simplesmente Auguste Comte (1798-1857), defendia que todo saber do mundo físico advinha de fenômenos "positivos" (reais) da experiência, e eles seriam os únicos objetivos de investigação do conhecimento. 

Comte sustentava a existência de um campo de ação, no qual as idéias se relacionavam de forma lógica e matemática e, por fim, toda investigação transcendental ou metafísica que não pudesse ser comprovada na experiência deveria ser desconsiderada.

As raízes do positivismo são atribuídas ao empirismo absoluto de David Hume (1711-1776), que concebia apenas a experiência como matéria do conhecimento e também a Ilustração, ou Iluminismo, que apregoava a razão como base do progresso da história humana. 

Dessa forma, o positivismo é fruto da consolidação econômica da revolução pela burguesia, expressa nas Revoluções Inglesa do século XVIII e Francesa de 1789. As ciências empíricas passaram a tomar frente às especulações filosóficas meramente idealistas e Comte buscou a síntese do conhecimento positivo da primeira metade do século XIX, especialmente da física, da química e da biologia. 
Seu objetivo era a formulação de uma "física" social (a "sociologia") que reformulasse o quadro social instável decorrente das novas relações de trabalho do capitalismo industrial.

Na primeira fase de seus trabalhos, Comte teve como mentor o teórico do socialismo utópico, o conde de Saint-Simon (Claude-Henri de Rouvroy, 1760-1825). Em sua obra Curso de Filosofia Positiva (1830-1842), Comte expõe a base de sua doutrina cujos alicerces teóricos estão assentados na norma de três estados do desenvolvimento humano e do conhecimento, o teológico, o metafísico e o positivo.

Na fase teológica o ser humano entende o mundo a partir dos fenômenos da Natureza dando a eles caráter divino. Essa fase encerra-se no monoteísmo. Na fase metafísica, a interpretação do mundo é calcada em conceitos abstratos, idéias e princípios. 

Por fim, na fase positiva o ser humano limita-se a expor os fenômenos e a fixar as relações constantes de semelhança e sucessão entre eles. Nessa fase, as causas e as essências dos fenômenos são deixadas de lado para se evidenciarem as leis imutáveis que nos regem, pois o conhecimento destina-se a organizar e não a descobrir.

O fim da filosofia é a organização das ciências, hierarquizadas, segundo Comte, em seis. Na base dessa pirâmide está a matemática, seguida da astronomia, física, química, biologia e sociologia. Em outra obra sua, Discurso sobre o Conjunto do Positivismo (1848), Comte parte das feições reais do termo "positivo" para atingir uma significação moral e social maior, a fim de reorganizar a sociedade, com a supremacia do amor e da sensibilidade sobre o racionalismo.

O apogeu dessa tese é a religião da humanidade. A filosofia positiva passa, então, a preconizar também uma teoria de reforma da sociedade e uma religião. A unidade do conhecimento positivo passa a ser coletiva em busca da fraternidade universal e da convivência em comum. A junção entre teoria e experiência é baseada no conhecimento das ações repetitivas dos fenômenos e sua previsibilidade científica.

Assim, é possível o aprimoramento tecnológico. O estágio positivo corresponde à atividade fabril e à transformação da natureza em mercadorias. Se entendermos a ciência como a investigação da realidade física, o positivo é o objeto e o resultado dessa investigação. Dessa forma, a sociedade também é passível dessa análise e a fase positiva será caracterizada pela passagem do poder político para os sábios.

Fragmentação do pensamento

A segunda fase dos trabalhos de Comte é representada em sua obra Sistema de Política Positiva (1851, 1854), que preconiza a "religião da humanidade", cuja liturgia é baseada no catolicismo romano, estabelecida em O catecismo positivista (1852). 

Destarte, a doutrina positivista adquire feição religiosa com credo na ciência. Essa divisão do pensamento comteano também separou seus seguidores em duas correntes: os ortodoxos, que seguiram Comte em seu período religioso; e os heterodoxos, que se conservaram perseverantes ao período científico e filosófico do positivismo.

O líder dos heterodoxos, Émile Littré, autor de Fragmentos de Filosofia Positiva e Sociologia Contemporânea (1876), concebeu o período religioso de Comte como um atraso. Já o ortodoxo Pierre Laffitte chegou a sacerdote máximo da chamada religião da humanidade.

O começo do positivismo no Brasil

As teorias científicas de Comte sofreram severas críticas de ordem metodológica, principalmente por desconsiderarem os procedimentos hipotéticos e dedutivos. Entretanto, o positivismo causou forte eco tanto nas doutrinas utilitaristas e pragmáticas de vertente americana.

Embora o positivismo seja julgado metodologicamente ultrapassado por transformar a ciência em objeto de reflexão da filosofia, a epistemologia comteana é possuidora de consideráveis princípios filosóficos que tentam determinar o homem em relação a sua atividade e espaço histórico. Atualmente, traços positivistas são identificados em diferentes atividades no mundo ocidental, e especialmente no Brasil.

Na verdade, o Brasil, país latino-americano, se transformou numa segunda pátria do positivismo. O pensamento positivista chegou ao Brasil em torno de 1850, e foi trazido por brasileiros que estudaram na França; alguns tinham até mesmo sido alunos de Comte.

A presença da doutrina positivista, em sua fase científica, no Brasil, tornou-se visível a partir de 1850, quando apareceu na Escola Militar, depois no Colégio Pedro II, na Escola da Marinha, na Escola de Medicina e na Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. Já o positivismo de vertente religiosa pôde ser atestado no Apostolado Positivista, a partir de 1881, fruto da iniciativa de Miguel Lemos e Raimundo Teixeira.
A atuação do positivismo no Brasil foi uma reação filosófica contra a doutrina confessional católica, até então única reflexão intelectual existente no país. Nessa luta no campo das idéias figuraram também o naturalismo e o evolucionismo. 

No Brasil, a marca inicial do positivismo mais aceita é a publicação do livro de Luís Pereira Barreto As Três Filosofias, em 1874, e também, dois anos mais tarde, a fundação da Sociedade Positivista Brasileira (origem da Igreja da Humanidade) no Rio de Janeiro. Contudo, o núcleo irradiador do positivismo seria transferido para Recife, por iniciativa de Tobias Barreto e, depois, Sílvio Romero e Clóvis Bevilácqua.

Positivismo e republicanismo no Brasil

O positivismo que se assenhoreava no Brasil moldava-se ao país e adquiria o perfil de doutrina com influência geral, e aceita por um grupo reduzido de estudiosos, composto por duas facções: os ortodoxos e os dissidentes. Miguel Lemos e Teixeira Mendes lideravam o primeiro, e um número de políticos com visão monárquica positivista, junto com Luís Pereira Barreto, Tobias Barreto e Sílvio Romero lideravam o último, e buscavam em Comte a fundamentação teórica para a República.

O republicanismo brasileiro, nascido da Convenção de Itu, de 1870, gerou duas alas: a liberal-democrática, de inspiração americana, e a autoritária, de inspiração positivista. Todavia, em um primeiro momento, o programa do Partido Republicano estava muito mais preocupado com o combate objetivo ao Império do que com querelas doutrinárias. Nessa fase destacam-se os nomes dos chamados republicanos históricos, como Silva Jardim, Aníbal Falcão e Demétrio Ribeiro.

A atuação doutrinária levada a cabo por Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1833-1891), professor da Escola Militar e defensor do princípio positivista da valorização do ensino para alcançar o estado sociocrático, ganha destaque nesse contexto. Contudo, se para Comte o ensino, no continente europeu, deveria ser destinado às camadas pobres, no Brasil essa meta foi impossível, devido ao baixíssimo nível de instrução do proletariado nacional. Assim, a transmissão dos ensinamentos positivistas acabou se restringindo aos poucos que estudavam nas escolas militares. 

A atividade doutrinária bem no interior da massa pensante das forças armadas brasileiras foi fundamental para criar um espírito de corpo na caserna, pois boa parte da oficialidade se achou imbuída do destino histórico de implantar um regime republicano que fosse fundamentado na razão e na ciência positivista.

Os republicanos jacobinos, radicais, combatiam os monarquistas e os republicanos liberais, e apregoavam a implantação de uma república temporária e ditatorial, com o fim de se alcançar a sociocracia preconizada por Comte. Ocorreu, assim, uma cisão no movimento republicano, e até mesmo entre os positivistas, pois no episódio de 15 de novembro de 1889 sentimos a presença dos positivistas dissidentes (militares seguidores de Benjamin Constant), em detrimento dos ortodoxos (civis seguidores da Igreja Positivista).

O positivismo tornou-se uma filosofia fundamental no debate político no Brasil do século XIX, uma vez que o regime republicano foi instalado sob sua égide teórica. O 15 de novembro pode ser considerado o ápice do positivismo no Brasil, em razão da grande quantidade de adeptos de Auguste Comte que assumiram cargos de relevo no novo regime (Benjamin Constant chegou a ministro da Guerra).

Foram numerosas as influências do positivismo na organização formal da República brasileira, entre elas o dístico Ordem e Progresso da bandeira; a separação da Igreja e do Estado; o decreto dos feriados; o estabelecimento do casamento civil e o exercício da liberdades religiosa e profissional; o fim do anonimato na imprensa; a revogação das medidas anticlericais e a reforma educacional proposta por Benjamin Constant.

O castilhismo

O farol do positivismo no Brasil seria transferido para o Rio Grande do Sul, onde a instalação do regime republicano foi sui generis, pois desde o início o novo governo foi dominado pelos positivistas, liderados por Júlio Prates de Castilhos (1860-1903). 

Quando da Proclamação da República, em 1889, Castilhos recusou o cargo de presidente do Estado, e preferiu assumir como secretário do governo estadual. Ele estava convicto no intento de inaugurar uma nova fase positiva na política gaúcha, transformando as velhas práticas político-administrativas clientelistas do período imperial. 

Em 1890, Júlio de Castilhos elegeu-se deputado no Congresso que iria elaborar a primeira Constituição da República, e logo identificou-se com a ala ultrafederalista, passando a defender o projeto político de inspiração positivista.

Em 1891, eleito presidente do Estado pela Assembléia Legislativa, Júlio de Castilhos redigiu - e fez aprovar quase que integralmente - a nova Constituição estadual. Era uma Carta extremamente autoritária, atribuindo ao presidente do Estado poderes extraordinários, tais como: nomear o vice-presidente, reeleger-se, atribuir papel meramente deliberativo ao Legislativo estadual e o voto descoberto. Castilhos pretendia criar no Rio Grande do Sul uma ditadura republicana comteana, e seus adeptos foram chamados de republicanos. 

Do ponto de vista doutrinário, o positivismo não compartilha os princípios da representação eleitoral preconizados pela democracia liberal burguesa, e seu princípio de delegação política por meio da eleição à representação de cargos. Para os positivistas, o direito ao voto é um dogma metafísico e, dessa forma, Júlio de Castilhos acreditava na legitimidade do regime republicano em razão de razões históricas e científicas, e não por motivos metafísicos ou populares.
Com base nesse princípio, os castilhistas ficaram no poder no Rio Grande do Sul por quase 40 anos, primeiro com Castilhos, depois com Antônio Borges de Medeiros (1863-1961), que se elegeu sucessivamente quatro vezes para a presidência daquele Estado, e, finalmente, em 1928, com Getúlio Vargas (1883-1954). 

No plano nacional, Vargas procurou implantar o positivismo castilhista. Em seus mandatos, notadamente no Estado Novo (1937-1945), procurou substituir a noção da representação eleitoral pela da hegemonia científica, na qual a ordem e o fortalecimento de um dirigente moralmente responsável concebe um regime promotor do bem-estar social rumo ao progresso.

A herança positivista

Tendo influenciado poderosamente o movimento que levou à Proclamação da República, o positivismo foi a principal corrente de pensamento na formação intelectual dos militares que cursaram as escolas militares, influência que se estendeu às rebeliões tenentistas da década de 20. Em sua vertente gaúcha, o positivismo esteve presente na organização estatal formulada por Vargas e em seu projeto de desenvolvimento nacionalista burguês. 

Quando, em 1964, os militares tomaram o poder alegando o desvirtuamento moral do período janguista, também podemos sentir um aroma comteano no ar. Auguste Comte, no entanto, não pode ser responsabilizado pelo que aconteceu em seguida.

Rafael Augusto Sêga é doutor em História pela UFRS e professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná.

28 - Crise da Líbia: entrevista com Moniz Bandeira

Segue uma interessante entrevista com o historiador e cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira sobre a Crise da Líbia. O artigo foi publicado originalmente na Carta Maior (ver final do texto)

EUA e aliados querem legitimar doutrina da intervenção humanitária

As razões pelas quais Estados Unidos, França e Inglaterra dediciram liderar uma ação militar na Líbia contra o regime de Muammar Kadafi ainda não estão muito claras. Os limites desta ação determinados pela resolução aprovada no Conselho de Segurança das Nações Unidas falavam da instalação de uma "zona de exclusão aérea" com o objetivo de proteger a população civil dos ataques dos aviões de Kadafi. Mas esses limites já foram extrapolados, com ataques no solo a tanques e tropas leais ao governo líbio. O que, afinal, está por trás desta ação?

Em entrevista à Carta Maior, concedida por correio eletrônico, o historiador e cientista político Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira analisa as revoltas populares que estão acontecendo no Oriente Médio e no norte da África. Sobre o conflito líbio, Moniz Bandeira reconhece que as razões da posição de EUA, França e Inglaterra não estão muito claras e podem estar relacionadas a questões internas destes países e também à vontade de legitimar a doutrina da intervenção humanitária.

"Os objetivos não estão claros. A guerra foi praticamente iniciada pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy. Supõe-se que ele deseja evitar que uma guerra civil na Líbia provoque um grande fluxo de refugiados para o sul da França. Mas há outras hipóteses. Tanto na França como nos Estados Unidos, cujos presidentes estão muito desgastados, bem como na Inglaterra, motivos eleitorais provavelmente influíram na decisão de deflagrar a guerra. O petróleo, aparentemente, não foi um fator decisivo", avalia.

Cientista político e professor titular de história da política exterior do Brasil na UnB (aposentado), Moniz Bandeira é autor de mais de 20 obras, entre as quais "Formação do Império Americano", que lhe valeu a escolha de Intelectual do Ano 2005, pela União Brasileira de Escritores, e o Troféu Juca Pato. Em abril deve estar nas livrarias a 3ª edição de seu livro "Brasil-Estados Unidos: a rivalidade emergente", prefaciado pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.

Carta Maior: Na sua avaliação, quais são as principais causas das revoltas que estamos assistindo hoje no Oriente Médio e norte da África?

Moniz Bandeira: É difícil apontar os principais fatores que determinaram e determinam a eclosão das revoltas nos países árabes. São diversos e complexos. E tudo indica que são autóctones, não obstante o fenômeno do contágio. O sucesso do levante na Tunisia estimulou o alçamento no Egito e daí se alastrou, conforme as condições domésticas de cada um dos países da região. Há, decerto, diferenças históricas, sociais e políticas entre os dois países. Suas estruturas de Estados e instituições são diferentes. Ao contrário da Tunísia, o Egito é o mais populoso país árabe e o mais importante, do ângulo geopolítico e geoestratégico, no Oriente Médio. Entretanto, nos dois países, há uma juventude, com certo nível de educação e saúde que não encontra emprego ou ocupação adequada à sua capacitação. 

A Tunísia tem uma população de cerca de 10,4 milhões de habitantes, altamente alfabetizada e urbanizada e apenas 3,8% vivem abaixo do nível de pobreza. Porém, com uma força de trabalho de quase 4 milhões de pessoas, o nível de desemprego, da ordem de 14%, é muito elevado. O Egito, por sua vez, tem uma população de 76,5 milhões de habitantes, dos quais cerca de 20% a 25% vivem abaixo do nível de pobreza. Sua força de trabalho soma 26,1 milhões, mas o índice de desemprego, da ordem de 9.7%, é bastante elevado. Apesar de haver crescido 5% nos últimos anos, sua economia não conseguiu criar empregos conforme as necessidades da população. A juventude está seriamente afetada pelo desemprego. Cerca de 90% dos desempregados são jovens com menos de 30 anos. Os graduados têm de esperar pelo menos cinco anos por uma oportunidade de trabalho na administração. E as políticas neoliberais executadas pelo ditador Hosni Mubarak agravaram as desigualdades e um empobrecimento de milhões de famílias. 

As oportunidades de trabalho, desde há muitas décadas, crescem muito menos do que a taxa de crescimento da população. Entrementes, no campo, há algumas regiões com excesso de força de trabalho, e outras com carência. E os regimes tanto na Tunísia e quanto no Egito estavam politicamente estagnados, sob ditaduras corruptas e brutais de Zine el-Abidine Ben Ali e de Hosni Mubarak. Esse fato, em meio à ao desemprego, extrema pobreza, inflação, alta dos preços dos alimentos e o ressentimento político provocado pela sistemática repressão, foi aparentemente fundamental na deflagração das revoltas, que, sem dúvidas, seitas islâmicas fundamentalistas, como a Irmandade Muçulmana no Egito, e interesses estrangeiros trataram e tratam de aproveitar.

Carta Maior: Essas revoltas pegaram os Estados Unidos e seus aliados de surpresa, desestabilizando suas políticas na região, ou a turbulência atual não representa risco maior para eles?

Moniz Bandeira: Muito provavelmente as revoltas na Tunísia e também no Egito surpreenderam os Estados Unidos e a todos os países do Ocidente. Durante algumas semanas o governo de Washington nada disse sobre a sublevação na Tunísia. E, quando Hilary Clinton, viajou para Tunis, dois meses após a derrubada do ditador, ocorreram demonstrações contra a sua visita. Se houvesse consciência do que estava a acontecer, a secretária de Estado não haveria declarado, quando o levante começou no Cairo, "Our assessment is that the Egyptian government is stable and is looking for ways to respond to the legitimate needs and interests of the Egyptian people." Esta avaliação de que o regime de Mubarack era estável demonstra o grau de desconhecimento que o governo dos Estados Unidos tinha da real situação no Egito. Que havia descontentamento, sabia-se, mas não a sua extensão nem o que poderia provocar. 

É claro que tal turbulência representa um risco para os Estados Unidos e para a União Européia, pois não se pode descartar a possibilidade de que a Irmandade Muçulmana, a única força organizada no Egito, vença as eleições e assuma o governo e que os fundamentalistas islâmicos venham a predominar, de alguma forma, nos outros países árabes. 

Carta Maior: Como o sr. vê o que está acontecendo na Líbia agora? Trata-se de uma revolta popular em busca de mais democracia no país, ou de uma insurreição de outra natureza?

Moniz Bandeira: O que se sabe sobre a Líbia é que ninguém sabe de fato o que lá está acontecendo. Há muita contra-informação e informações fragmentadas e confusas, manipuladas pela grande mídia internacional. Winston Churchill, o ex-primeiro ministro britânico, escreveu em suas memórias quem tempos de guerra a verdade é tão preciosa que deve estar sempre escoltada por uma frota de mentiras. E o certo é que em nenhum desses países árabes, há uma consciência democrática, tal como se imagina no Ocidente. Há apenas uma idéia difusa e confusa. Não há tradição e as condições históricas, políticas e culturais são diversas das que terminaram o desenvolvimento da democracia no Ocidente. 

A democracia para os povos árabes, que se insurgem no norte da África e no Oriente Médio, significa maiores oportunidades de trabalho, de participação política, liberdade de expressão e melhoria econômica e social. E, na Líbia, como na Tunísia e no Egito, a elevação preço dos alimentos fomentou o descontentamento, ao agravar as condições sociais e políticas lá existentes. E ela sofreu o efeito do contágio. A Líbia tem 6,5 milhões de habitantes, dos quais 43% são urbanizados, mas o desemprego é da ordem de 30% e um terço da população vive abaixo da linha de pobreza. Importa 75% dos alimentos e as exportações de petróleo respondem por cerca de 95% de sua receita comercial e 80% da receita do governo. 

A situação da Líbia, porém, é ainda mais complexa do que na Tunísia e no Egito. Gaddafi assumiu o poder em 1969. Com um golpe militar derrubou o rei Idris, da seita Senussi, fundada no século XIX, em Meca, por sayyd Muhhammad ibn Ali as-Senussi, da tribo Walad Sidi Abdalla e sharif, i. e., descendente da Fatmimah, filha de Maomé. Desde então, Gaddafi buscou impor à Líbia um só partido. Mas a Líbia, diferentemente da Tunísia e do Egito, é uma nação que ainda não se consolidou. É o mais tribal entre os países árabes. Pode-se dizer que é um Estado semi-tribal. Sua estrutura rural é praticamente assentadas em tribos nômades e semi-nômades, muito segmentadas Lá existem mais de 140 tribos e clãs. Gaddafi , no início, tentou reduzir a influências da tribos, mas posteriormente teve de fazer alianças e manipular a fidelidade das tribos para manter sua ditadura.

A tribo de Gaddafi, Ghadafa (Qadhadhfah) é de origem bérbere-árabe e aliou-se à confederação Sa'adi, liderada por Bara'as (a tribo da esposa de Gaddafi, Farkash al-Haddad al-Bara'as). Os conflitos entre as forças do governo de Gaddafi e outras tribos – as tribos Zawiya e Toubou - começaram entre 2006 e 2008, no oasis de Kufra, localizado no sudeste da Libia, 950 quilômetros ao sul de Benghasi, perto da fronteira com o Egito, Sudão Chad. Benghasi, onde a rebelião começou, está na Cirenaica, antiga província romana (Pentapolis) e tradicionalmente separatista, na parte oriental da Líbia. Misurata é a única cidade na Tripolitânia, oeste da Líbia, que habita a tribo Warfallah, o maior grupo tribal, dividido em 52 sub-tribos, com cerca de um milhão pessoas. Essa tribo foi levada para a Líbia, no século XI, pelos Fatimidas, por motivos políticos. A ela está aliada a tribo Az-Zintan, que habita as montanhas ocidentais, entre as cidades bérberes, Jado, Yefren e Kabaw. E essas tribos romperam com o governo de Gaddafi, insurgiram-se e sustentam a rebelião. Não há indício de que houve estímulo direto do estrangeiro quando ela começou. Porém, em seguida, seguramente, houve participação externa, contrabandeando armamentos para os rebeldes em Benghazi. O contrabando continua. Mas a rebelião conta com o apoio do Grupo de Combate Islâmico, cujos membros estão estreitamente ligados a Bin Laden e podem tentar a tomada do governo, com a queda de Gaddafi. Tudo indica que a oposição à ditadura de Gaddafi está mais alinhada com a al’Qaida. Sob o comando de Abu Yahya Al- Libi, os jhadistas do Grupo Islâmico de Combate (Al-Jama'ah al-Islamiyah al-Muqatilah bi-Libia) já tinham se levantado contra o regime em 1990 e o centro da rebelião, atualmente, são as cidades de Benghazi e Darnah, onde eles se haviam concentrado e ocorrerem os levantes em 1990. 

Muitos islamistas radicais, exilado por Gaddafi, estão a voltar, entrando pelas fronteiras de Mali, Egito e outras. Os rebeldes, saudados pelos americanos como freedom fighters, não são, certamente, democratas. Um estudo da Academia Militar dos Estados Unidos, em 2007, indicou que do leste da Líbia saiu uma grande contribuição para a al-Qaeda no Iraque. Em tais circunstâncias, tudo pode acontecer na Líbia, com a prevalência e a desordem política, pior do que no Iraque e no Afeganistão. 

Os Estados Unidos, França e Inglaterra não têm como controlar a situação. A razão pela qual esses países estão apoiar os rebeldes islamistas não está muito clara. O mais provável é que queiram legitimar a doutrina da intervenção humanitária, tal como ocorreu no Kosovo e Sierra Leoa. Há uma contradição inexplicável de interesses em jogo. E não sem razão o ex-presidente Bill Clinton, ao visitar o Brasil, em 25 de março, declarou, a respeito do que os Estados Unidos, França e Inglaterra estão a fazer na Líbia.: "Vai ser mais difícil construir estabilidade nesses países do que foi para derrubar a velha ordem. Então agora acho que estão atirando em uma incerteza". 

Carta Maior: E quanto à resolução aprovada pela ONU, qual sua opinião?

Moniz Bandeira: A resolução aprovada Conselho de Segurança viola a própria carta das Nações Unidas. O art. 2, do Cap. I, estabelece que “nenhuma disposição da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado, ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do capítulo VII”. E o art. 42 do Capítulo VII dispõe que, se o Conselho de Segurança, considerar que “as medidas previstas no artigo 41 seriam ou demonstraram ser inadequadas (interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radio-elétricos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas), poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas”. 

Está bem claro que as operações militares aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas só poderão ocorrer caso sejam necessárias “para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”. O que ocorria na Líbia era uma questão interna, não ameaçava a paz e a segurança internacionais. O ataque a um país soberano é uma guerra. Não há nenhuma força multilateral. E os Estados Unidos, França e Inglaterra foram além de estabelecer uma no-fly zone para proteger civis. Como proteger civis, matando civis com mísseis lançados contra as cidades da Líbia? É o que continua a acontecer no Iraque, Afeganistão e Paquistão. Os civis são os mais sacrificados. 

No Afeganistão, somente em 2009, foram mortos por bombardeios cerca de 2.412 , 14% mais do que em 2008. Entre 2005 e 2008, as forças dos Estados Unidos e outras da OTAN mataram entre 2.699 e 3.273. No Iraque, calcula-se que, de 2003, quando a guerra começou, até 2007 mais de um milhão de civis foram mortos. E calcula-se que cerca de 700 civis foram pelos bombardeios americanos desde 2006. Segundo o Conflict Monitoring Center (CMC), em Islamabad, somente em 2011 mais de 2.000 pessoas foram mortas, a maioria das quais inocentes civis.

Na realidade, na Líbia, Estados Unidos, França a Inglaterra estão a participar da guerra civil, apoiando os rebeldes, como a Alemanha nazista fez durante a guerra civil na Espanha (1936-1939), quando bombardearam não apenas Guernica, mas diversas outras cidades, estreando seus bombardeiros Junkers Ju 52 e Heinkel He 111, bem como os caças Messerschmitt e Junkers Ju 87, que destruíram 386 aviões dos republicanos. Os navios de guerra dos Estados Unidos e da Inglaterra já lançaram contra a Libia, para a destruir as defesas de Gaddafi, cerca de 124 mísseis de cruzeiro. Cada um custa US1 milhão e o novo modelo US$ 2 milhões. No primeiro dia da Operation Odyssey Dawn os gastos dos Estados Unidos apenas com mísseis chegaram a US$100 milhões.

Carta Maior: Neste cenário, não é fácil precisar quais os objetivos dos Estados Unidos, França e Inglaterra no ataque às forças de Gaddafi, ajudando os rebeldes...

Moniz Bandeira – Os objetivos não estão claros. A guerra foi praticamente iniciada pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy. Supõe-se que ele deseja evitar que uma guerra civil na Líbia provoque um grande fluxo de refugiados para o sul da França. Mas há outras hipóteses. Tanto na França como nos Estados Unidos, cujos presidentes estão muito desgastados, bem como na Inglaterra, motivos eleitorais provavelmente influíram na decisão de deflagrar a guerra. O petróleo, aparentemente, não foi um fator decisivo. A França somente importa 5,63% do petróleo da Líbia, mas, possivelmente, deseja assegurar para seu abastecimento, durante o século XXI, as vastas reservas lá existentes, estimadas em 41 bilhões de barris, conquanto representem menos de 2% das reservas mundiais. Os países que mais importam o óleo da Líbia são Itália, entre 18,9% e 22%; China, 10,4%; Alemanha, entre 7,8 e 9,7. Porém, as operações na Líbia, de onde só importa 0,6% de petróleo, poderão custar para os Estados Unidos um montante entre US$ 400 milhões e US$ 800 milhões, de acordo com oCenter for Strategic and Budgetary Assessments, enquanto os gastos no Afeganistão já ultrapassam US$377 bilhões. 

Calcula-se que a guerra contra a Líbia custará para os Estados Unidos US$ 1 bilhão por semana. E o Pentágono necessita este ano de mais US$ 708 bilhões, incluindo U$ 159 para as guerra no Iraque e Afeganistão. Entrementes, em março, o déficit orçamentário atingiu o montante recorde de US$ 222,5 bilhões.

E o Departamento do calcula que através dos cinco meses do ano fiscal de 2011 o déficit cumulativo seja de U$ 641, bilhões. Entretanto, pelo menos 50.000 americanos carecem de recursos básicos de saúde, e cerca de 50.000 morrem em conseqüência, todos os anos. 

No Reino Unido, ao mesmo tempo em que corta das despesas públicas £95 bilhões, a pretexto de reduzir, e cria um milhão de desempregados, o governo conservador de David Cameron gasta em torno de £3 milhões por dia, com as operações aéreas contra as forças de Gaddafi. A missão de uma aeronave custa por hora £35.000 e £50.000. O total diário é £200.000 por avião. Estima-se que o custo para os contribuintes inglêses alcançará £100 milhões dentro de seis semanas. Os mísseis Tomahawk, comprados dos Estados Unidos, custam £500,000 cada e os mísseis Storm Shadow custam £800,000 cada. A manutenção do submarino HMS Triumph, que dispara os mísseis contra a Líbia, custa cerca de £200,000 por dia. E aí os custos disparam. 

Carta Maior: O presidente dos EUA, Barack Obama autorizou o início dos bombardeios contra a Líbia durante sua visita ao Brasil. Qual sua avaliação sobre essa visita e, de um modo mais geral, sobre a política externa do governo Obama. Houve alguma mudança significativa em relação aquela praticada pelo governo Bush?

Moniz Bandeira: O que está por trás de do presidente Barack Obama é o mesmo Complexo Industrial-Militar que sustentou o presidente George W. Bush. Ele deu continuidade às guerras no Afeganistão e no Iraque, onde ainda mantém cerca de 40 soldados, além dos mercenários (contractors)das private military company (PMC), como a Halliburton, Blackwater e outras. E não contente em continuar as guerras no Afeganistão e no Iraque, deu início a uma terceira, na Líbia. E aí tudo indica que a decisão inicial, após conversar com o presidente Sarkozy, foi tomada pela secretária de Estado, Hilary Clinton, e Obama simplesmente autorizou. Na realidade, ela se sobrepõe ao presidente Obama e é quem está efetivamente conduzindo a política internacional dos Estados Unidos, de modo a atender aos setores mais conservadores do Partido Democrata e aumentar sua popularidade, para candidatar-se outra vez à presidência dos Estados Unidos. 

Quanto à visita do presidente Obama ao, não representou qualquer mudança na política externa dos Estados Unidos nem nas relações com o Brasil. Foi uma visita protocolar, ele nada pôde nem tinha o que oferecer ao Brasil, cuja diretriz de política externa a presidente Dilma Roussef essencialmente mantém. O voto em favor de um delegado da ONU para verificar a questão dos direitos humanos na Irã é um fato isolado e não representa uma alteração fundamental na posição do Brasil.

 

Por Marco Aurélio Weissheimer 

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17611


sábado, 26 de março de 2011

27 - Livro: História do Mundo Contemporâneo

Um dos manuais que utilizo para as aulas de história geral do século XX é o Mastering Modern World History (4a edição, 2005), de Norman Lowe, da editora Palgrave Macmillan. Hoje, passeando na Livraria Saraiva do Conjunto Nacional, encontrei uma edição desse livro em português. Ele foi publicado pela editora Artmed com o título História do Mundo Contemporâneo (é a tradução da 4a edição em inglês). O preço é salgado: 97 reais (na Amazon.com você paga pela versão original menos de 26 dólares, sem as taxas de transporte). De toda forma, é um ótimo livro preparatório para o vestibular e o PAS, mas que serve também como uma útil referência para os cursos universitários de ciências humanas ou para quem gosta de história de uma forma geral. Para se ter uma idéia do conteúdo (são mais de 650 páginas) segue abaixo o sumário do livro:

PARTE I - GUERRA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Capítulo 1. O Mundo em 1914: A Deflagração da Primeira Guerra Mundial 
Capítulo 2. A Primeira Guerra Mundial e o Período Posterior 
Capítulo 3. A Liga das Nações 
Capítulo 4. Relações Internacionais, 1919-1933 
Capítulo 5. Relações Internacionais 1933-1939 
Capítulo 6. A Segunda Guerra Mundial 1939-1945 
Capítulo 7. A Guerra Fria Problemas de Relações Internacionais Após a Segunda Guerra Mundial 
Capítulo 8. A Expansão do Comunismo Fora da Europa e Seus Efeitos nas Relações Internacionais 
Capítulo 9. A Organização das Nações Unidas 
Capítulo 10. As duas Europas, Oriental (do Leste) e Ocidental, desde 1945 
Capítulo 11. O Conflito no Oriente Médio 
Capítulo 12. A Nova Ordem Mundial e a Guerra Contra o Terrorismo Global 

PARTE II - A ASCENSÃO DO FASCISMO E DOS GOVERNOS DE DIREITA
Capítulo 13. Itália, 1918-1945: O Surgimento do Fascismo 
Capítulo 14. Alemanha, 1918-1945: a República de Weimar e Hitler 
Capítulo 15. Japão e Espanha 

PARTE III - O COMUNISMO: ASCENSÃO E QUEDA
Capítulo 16. A Rússia e as Revoluções, 1900-1924 
Capítulo 17. A URSS e Stalin, 1924-1953 
Capítulo 18. A Continuidade do Comunismo, seu Colapso e as Consequências, 1953-2005 
Capítulo 19. China, 1900-1949 
Capítulo 20. A China desde 1949: os Comunistas no Controle 
Capítulo 21. O Comunismo na Coreia e no Sudeste da Ásia 

PARTE IV - OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Capítulo 22. Os Estados Unidos Antes da Segunda Guerra Mundial 
Capítulo 23. Os Estados Unidos desde 1945 

PARTE V - A DESCOLONIZAÇÃO E O PERÍODO POSTERIOR
Capítulo 24. Os Fim dos Impérios Coloniais 
Capítulo 25. Problemas na África 

PARTE VI - PROBLEMAS GLOBAIS
Capítulo 26. A Economia Mundial em Mudança Desde 1900 
Capítulo 27. A População Mundial 

Perguntas 
Leituras Complementares 
Índice

26 - Povoamento da América

Segue uma notícia que saiu na Veja (versão digital de 23 de março de 2011), relatando um estudo publicado na revista Science, sobre a descoberta de vestígios que indicam que o povoamento da América começou há mais tempo do que muitos imaginaram. Na verdade, a datação mais antiga vem sendo proposta por pesquisadores há décadas, mas parte da comunidade acadêmica, sobretudo estudiosos dos EUA, insistia em uma datação mais recente. As descobertas citadas na reportagem reforçam os argumentos dos defensores do povoamento mais antigo. Outra observação: o texto fala de uma “civilização” que teria chegado há mais tempo na América. Naturalmente, o termo civilização, neste caso, está sendo usado como sinônimo de uma cultura material e não no sentido de uma sociedade complexa com cidades e Estado, como se costuma considerar.

Homem já ocupava América do Norte há 15.500 anos

Ferramentas achadas no Texas são 2.500 anos mais antigas que os vestígios dos humanos de Clóvis, conforme estudo publicado na 'Science’

O homem chegou à América do Norte 2.500 anos antes do que se pensava, de acordo com um estudo publicado no periódico americano Science. Cientistas da Universidade Texas A&M analisaram mais de 15.000 objetos de pedra encontradas a 65 quilômetros de Austin, no Texas (EUA), e estimaram que foram feitos há 15.500 anos. Até agora, a evidência mais antiga da ocupação humana na América do Norte era o sítio arqueológico de Clóvis, no estado do Novo México (EUA), onde foram encontrados vestígios de uma civilização que teria cruzado o Estreito de Bering, da Ásia à América do Norte, há 13.000 anos.

Os 15.000 objetos foram encontrados abaixo da camada de terra comumente associada ao período dos humanos de Clóvis. Para o arqueólogo Michael Waters, chefe da pesquisa, o achado é a indicação de que existiu uma civilização (sic) mais antiga do que se pensava na América do Norte. "A descoberta nos desafia a repensar como ocorreu a colonização do continente americano", disse o cientista, em entrevista ao jornal inglês Guardian.

A maior parte dos objetos encontrados são os restos da fabricação e manutenção de outras ferramentas. Contudo, "mais de 50 são ferramentas propriamente ditas", disse Waters. De acordo com o arqueólogo existem objetos que aparentam ser projéteis e outros que foram feitos com o propósito de raspar e cortar. Os cientistas acreditam que as ferramentas eram pequenas para que pudessem ser levadas com facilidade para outras localidades. 
Embora os objetos sejam diferentes da cultura Clóvis, Waters acredita que os dois sítios arqueológicos podem ter ligação. "A civilização que produziu os objetos que encontramos teve tempo suficiente para aprender a construir objetos que hoje reconhecemos como sendo da cultura Clóvis", disse. "Acho que passou da hora de formularmos um novo modelo para o povoamento das Américas", afirmou o arqueólogo.

quinta-feira, 17 de março de 2011

25 - Texto: Democracia e liberdade de opinião

Pessoal, segue parte de um texto interessante do jornalista Reinaldo Azevedo sobre a liberdade de opinião. Ele foi publicado originalmente na edição eletrônica da Veja em 16 de março de 2011. Clique no título para ler o texto na íntegra.



Tenho afirmado e escrito freqüentemente que aprecio a democracia menos pelo valor afirmativo do sistema do que por seu valor negativo; ou seja, menos pela prevalência da vontade da maioria do que pela possibilidade de as minorias dizerem o que pensam. Afinal, nas ditaduras, também é permitido concordar. Pode-se dizer “sim” em Nova York, em Trípoli e em Pequim. A segurança para dizer “não” é que distingue os regimes.

Da mesma forma que o teste de resistência da democracia é feito por aqueles que discordam de consensos — sejam estes legítimos ou não, embasados ou não em verdades científicas —, o teste de resistência dos democratas se dá quando confrontados com idéias que consideram absurdas, irrealistas, detestáveis até. Aceitar que o outro exponha a sua “verdade”, por mais estúpida que nos pareça, testa a nossa capacidade de conviver com a diferença. Isso não significa, e meu trabalho espelha essa minha postura, que não devamos, nós também, ser, então, “detestáveis” à nossa maneira aos olhos de quem discorda de nós. É preciso dizer com clareza e destemor o que se pensa, e não com o intuito de destruir o outro, de “eliminar a contradição”, de “extirpar” o adversário.

Mas quem não quer a liberdade de expressão? Bem poucas pessoas teriam a coragem de fazer a defesa aberta da censura. Aprendemos todos que não se fazem certas coisas em público, e alinhar-se com os valores democráticos integra o rol das escolhas educadas, decorosas. Assim, raramente, ou nunca, temos a chance de nos defrontar com um inimigo da liberdade de expressão. Eles, no entanto, existem e se manifestam de forma insidiosa — não raro, recorrem a princípios consagrados pela democracia para poder solapá-la.

Uma expressão está na moda, posta para circular, sobretudo, pelas ONGs: os chamados “temas transversais”, aqueles que atravessariam várias esferas da vida e do conhecimento, transformados, em si mesmos, em valores morais inquestionáveis. O tal Programa “Nacional-Socialista” de Direitos Humanos, por exemplo, chegava a prever a cassação da licença de emissoras de rádio e televisão se ficasse caracterizado o desrespeito aos direitos humanos. Notem o truque: quem é contra os “direitos humanos”? Ninguém! Quem iria definir o que caracterizava esse respeito? Ali estava a armadilha.

Os chamados “temas transversais” costumam ser uma espécie de bula do chamado pensamento politicamente correto, que perverte o valor democrático essencial: o direito de a minoria expressar a divergência. Essa derivação pervertida transforma a proteção às minorias numa agressão aos valores universais da democracia. Não é raro ouvirmos hoje magistrados, inclusive alguns da nossa corte suprema, a afirmar que a lei deve, sim, tratar desigualmente os desiguais porque cumpriria ao juiz corrigir injustiças que a sociedade a tempo não corrigiu.

Ora, numa democracia, o princípio que estabelece que todos os homens são iguais perante a lei não busca ofuscar a condição dos graúdos, mas estabelecer uma instância — a Justiça — em que o pequeno não será punido porque pequeno nem poupado de seus crimes; em que o grande não será protegido porque grande, mas também não terá seus direitos aviltados por isso.
Como justificar, por exemplo, a concessão de cotas raciais à luz da Constituição brasileira se não por intermédio de valores, e ninguém conseguiria provar o contrário, ausentes em nossa Constituição? Agride-se o princípio fundamental da igualdade dos homens perante a lei argumentando-se a aplicação dos fundamentos do Artigo 3º, a saber:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Será lícito, no entanto, aplicar o que prevê os três incisos discriminando pessoas, seja essa discriminação positiva ou negativa? O inciso seguinte do mesmo artigo responde:

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O debate das cotas, no entanto, foi interditado. O Estatuto da Igualdade Racial aprovado pelo Congresso, embora na sua versão mitigada, coleciona uma penca de agressões à Constituição. Em breve, outro tema voltará ao debate: a chamada lei que criminaliza a homofobia. Não duvido de que as pessoas empenhadas em sua aprovação tenham o propósito de combater a discriminação, mas o texto agride, de maneira inequívoca, a liberdade de expressão. Uma simples opinião que possa ser caracterizada como “ação vexatória de ordem filosófica” — seja lá o que isso signifique — pode render cadeia. O crime será considerado inafiançável e imprescritível.

A patrulha politicamente correta, orientada pelo espírito da reparação e da correção das desigualdades e das injustiças, constitui-se numa verdadeira polícia do pensamento. Agride a liberdade de expressão e, muitas vezes, agride os fatos, impedido até mesmo a avaliação da eficiência de determinadas políticas públicas.

Na entrevista publicada pela VEJA, na semana passada, o professor  americano de economia Walter Williams, negro, afirma:

“Antes, uma menina grávida era uma vergonha para a família. Hoje, o estado de bem-estar social premia esse comportamento. O resultado é que, nos anos da minha adolescência, entre 13% e 15% das crianças negras eram filhas de mãe solteira. Agora, são 70%.”

Por Reinaldo Azevedo