sexta-feira, 8 de junho de 2012

40 - Livro “Nem Heróis, Nem Vilões”


“Nem Heróis, Nem Vilões”, do jornalista Moacir Assunção, é um estudo sobre a Guerra do Paraguai (1864-1870), publicado recentemente pela Record (2012). Excluindo os agradecimentos, as apresentações, a bibliografia e o índice, são 413 páginas de texto, dividido em 16 capítulos, mais a conclusão, uma cronologia e três entrevistas. Comecei a ler a obra com uma expectativa positiva. Na orelha do livro, o historiador Francisco Doratioto – talvez a maior autoridade sobre o conflito platino – afirma que “Nem Heróis, Nem Vilões” possui uma “redação clara, direta e de leitura agradável” e que “O leitor certamente terá, com este livro, uma leitura prazerosa”. Na Apresentação, o jornalista Fernando Jorge escreve ser o “livro enleante, capaz de magnetizar o leitor da primeira até a última página”, “fruto de longa e cuidadosa pesquisa” e que “é, acima de tudo um livro inovador” “por ser diferente, original”. Infelizmente, “Nem Heróis, Nem Vilões” não atendeu as expectativas. O texto é confuso e muito repetitivo, indicando uma elaboração rápida e uma revisão descuidada. “Nem Heróis, Nem Vilões” não é uma narrativa cronológica da guerra, mas um conjunto de temas sobre ela. O leitor que não conhece minimamente o conflito terá dificuldades e certamente ficará perdido em muitos capítulos. O livro possuiu, no final, uma boa cronologia que pode ajudar a atenuar esse problema, mas o autor poderia ter incluído, no início da obra, um resumo narrativo da guerra em quatro ou cinco páginas, mais abrangente do que os apresentados nos manuais escolares. Alguns erros históricos foram cometidos, como na afirmação, na pág. 80, de que a Guerra da Cisplatina (1825-1828) foi “movida por D. João VI contra o Uruguai”, quando, de fato, ela ocorreu sob D. Pedro I e foi um importante fator que desgastou o seu governo, como, aliás, a Guerra do Paraguai também desgastou o regime do seu filho D. Pedro II. São falhas que podem ser resolvidas em uma nova edição. De toda forma, o livro vale pelas curiosidades que resgata do conflito, ainda que exija cautela com algumas informações. Não espere uma nova narrativa da guerra mais importante que envolveu o Brasil desde a independência. Para isso, leia “Maldita Guerra” de Francisco Doratioto (Companhia das Letras, 2002). E não espere também um Laurentino Gomes.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

39 - esquema de aula: Revolução Americana



A ERA DAS REVOLUÇÕES (1774-1850)
1. SIGNIFICADO
INICIOU A IDADE CONTEMPORÂNEA (c. 1780 EM DIANTE)
INAUGUROU O LONGO SÉCULO XIX (1774-1914)
A FASE INICIAL DA IDADE CONTEMPORÂNEA MARCADA PELO IMPACTO DA DUPLA REVOLUÇÃO
REVOLUÇÃO ECONÔMICA: REVOLUÇÃO INDUSTRIAL BRITÂNICA (1780)
REVOLUÇÃO POLÍTICA: REVOLUÇÃO AMERICANA (1774-1787) E REVOLUÇÃO FRANCESA (1789-1799)
REPRESENTOU O NASCIMENTO DA MODERNIDADE OU SOCIEDADE MODERNA
INDUSTRIAL-URBANA
SECULAR/LAICA
CRENÇA NO PROGRESSO
IDEAIS DE ISONOMIA, CIDADANIA E SOBERANIA POPULAR
ESTADO NACIONAL: GOVERNO REPRESENTANTE DA NAÇÃO/POVO
CRIOU AS CONDIÇÕES POLÍTICAS PARA O AVANÇO DA MODERNIZAÇÃO
TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE TRADICIONAL (AGRÁRIA, RURAL, RELIGIOSA) NA SOCIEDADE MODERNA
2. ASPECTOS GERAIS
FOI A ÉPOCA DAS REVOLUÇÕES OCIDENTAIS, REVOLUÇÕES ATLÂNTICAS OU REVOLUÇÕES LIBERAIS DA EUROPA E AMÉRICA
1774-1787. REVOLUÇÃO AMERICANA
1789-1799. REVOLUÇÃO FRANCESA
1791-1804. REVOLUÇÃO HAITIANA
1810-1825. REVOLUÇÕES HISPANO-AMERICANAS
1820-1848. REVOLUÇÕES EUROPÉIAS
3. MOTIVOS
A CRISE GERAL DO ANTIGO REGIME
O ANTIGO REGIME
ABSOLUTISMO
SOCIEDADE ESTAMENTAL DIVIDIDA EM ORDENS
PODER DA ARISTOCRACIA
SUPREMACIA DA IGREJA
MERCANTILISMO E COLONIALISMO (ANTIGO SISTEMA COLONIAL)
A ASCENSÃO DA BURGUESIA NA EUROPA E DAS ELITES COLONIAIS NA AMÉRICA
CRESCENTE PODER ECONÔMICO SEM PODER POLÍTICO
DEMANDA POR MAIS DIREITOS E LIBERDADE ECONÔMICA
DIFUSÃO DO ILUMINISMO, DO LIBERALISMO E DO NACIONALISMO
ILUMINISMO
RACIONALISMO/CIENTIFICISMO
LIBERDADE
FÉ NO PROGRESSO
LIBERALISMO
DIREITOS INDIVIDUAIS: VIDA, PROPRIEDADE, LIBERDADE
ISONOMIA
CIDADANIA
GOVERNOS CONSTITUCIONAIS: ELEITOS PELOS CIDADÃOS E LIMITADOS PELA LEI
TOLERÂNCIA IDEOLÓGICA
LIBERDADE ECONÔMICA
NACIONALISMO
NAÇÃO: POVO UNIDO PELA CULTURA/HISTÓRIA COMUM E QUE SE VÊ COMO DISTINTO DOS OUTROS POVOS
DEFESA DA SOBERANIA/INDEPENDÊNCIA NACIONAL
A NAÇÃO DEVE POSSUIR O SEU PRÓPRIO ESTADO
O IMPACTO DAS GUERRAS EUROPÉIAS
1756-1763. GUERRA DOS SETE ANOS
1778-1783. INTERNACIONALIZAÇÃO DA GUERRA DE INDEPENDÊNCIA DOS EUA
1792-1815. GUERRAS DA REVOLUÇÃO FRANCESA E GUERRAS NAPOLEÔNICAS
ESSAS GERARAM PROBLEMAS FINANCEIROS E MILITARES QUE CAUSARAM CRISES POLÍTICAS NO ANTIGO REGIME E NO SISTEMA COLONIAL
4. A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL (1750-1825)
CRISE DO COLONIALISMO EUROPEU NA AMÉRICA
Inserida na crise geral do Antigo Regime
AS REFORMAS COLONIAIS (1750-1800)
Feitas pelas metrópoles para aumentar o controle e exploração das colônias
ampliação do mercantilismo
mais impostos e monopólios
pacto-colonial mais rigoroso
maior intervencionismo governamental
menos autonomia para as colônias
Causaram grande insatisfação entre os colonos
Exemplos:
1750-1777. Portugal: Reformas Pombalinas
1764-1788. Espanha: Reformas Bourbônicas
1764-1774. Grã-Bretanha: Nova Política Colonial
5. A REVOLUÇÃO AMERICANA (1774-1787)
5.1 SIGNIFICADO
Independência das Treze Colônias britânicas na América do Norte
Criação dos Estados Unidos da América (EUA)
5.2 ANTECEDENTES
a) A AMÉRICA COLONIAL BRITÂNICA EM 1750
ÍNDIAS OCIDENTAIS BRITÂNICAS: NO CARIBE
Barbados, Jamaica, Antigua
Colonização de exploração: plantations açucareiras, escravidão negra
TREZE COLÔNIAS BRITÂNICAS: NA COSTA LESTE DA AMÉRICA DO NORTE
COLÔNIAS DO SUL: colonização de exploração
Plantations de fumo e algodão
Escravidão negra
Aristocracia rural
COLÔNIAS DO NORTE (NOVA INGLATERRA): colonização de povoamento
Pequena propriedade, policultura
Servidão de contrato (temporária), trabalho livre
Maior importância do mercado interno e das cidades’
Indústria naval
Comércio triangular entre a Nova Inglaterra, África e Caribe/sul das Treze Colônias
Burguesia colonial, classe média (rural, urbana)
ASPECTOS GERAIS DAS TREZE COLÔNIAS
Extermínio/expulsão dos indígenas
Mas a presença nativa continuava importante nas áreas de fronteiras
Forte presença do protestantismo/calvinismo (anglicanismo, puritanismo)
Valorização do trabalho, esforço individual, busca do sucesso
América vista como a Terra Prometida (Nova Jerusalém) e os colonos como o “povo eleito” (Novo Israel)
Forte presença das tradições políticas inglesas e do Iluminismo
Constitucionalismo (governo limitado pela lei/poder legislativo), representação política, direito de resistência contra a tirania/opressão
Principais intelectuais iluministas: Benjamin Franklin (1706-1790), Thomas Jefferson (1743-1826), John Adams (1735-1826)
Negligência colonial ou salutar
A interferência da metrópole nos assuntos coloniais era relativamente pequena
Assembléias coloniais (voto censitário) com grande autonomia
Baixos impostos, pouco controle do comércio externo
Conflitos coloniais com os franceses da Nova França (Quebec/Canadá)
Disputas pelas terras indígenas do Ohio
b) A GUERRA DOS SETE ANOS (1756-1763)
GRÃ-BRETANHA E PRÚSSIA CONTRA A FRANÇA, ÁUSTRIA E ESPANHA, ENTRE OUTROS
A GUERRA NA AMÉRICA E ÍNDIA:
Disputa colonial entre Grã-Bretanha e França
VITÓRIA DA GRÃ-BRETANHA
Conquista do Quebec e do Ohio, franceses expulsos da América do Norte
PROBLEMAS BRITÂNICOS
O crescimento da dívida pública (custo da guerra) e a ampliação do império exigiram uma mudança na política colonial
c) A NOVA POLÍTICA COLONIAL BRITÂNICA (1764-1774)
MAIOR INTERFERÊNCIA DA METRÓPOLE NOS ASSUNTOS COLONIAIS
Intensificação do mercantilismo
Aumento dos impostos
Pacto-colonial mais rigoroso
Imposição de monopólios comerciais
Redução da autonomia das assembléias coloniais
Para os colonos, a liberdade estava ameaçada pela opressão do colonialismo
CONSEQUÊNCIAS
Revoltas nas colônias contra a Lei do Açucar (1764), Lei do Selo (1765), Lei do Chá (1773), Leis Intoleráveis (1774)
5.3 FASES DA REVOLUÇÃO AMERICANA
a) A REVOLUÇÃO CONSERVADORA (1774-1775)
TENTATIVA DE COMPROMISSO
Colonos aceitariam o domínio britânico, mas a Nova Política Colonial precisaria ser revista permitindo a restauração da negligência colonial
LEMA DOS REBELDES
 “Nenhuma taxação sem representação” (apenas órgãos representativos dos colonos poderiam tributá-los)
CRIAÇÃO DO CONGRESSO CONTINENTAL
Assembléia revolucionária das Treze Colônias
Dirigiu a luta contra a Grã-Bretanha
Criou o Exército Revolucionário
FRACASSO DAS TENTATIVAS DE COMPROMISSO
A rebelião virou uma revolução (luta pela independência/transformação da ordem política)
b) GUERRA DE INDEPENDÊNCIA DOS EUA (1775-1783)
Exército revolucionário comandado por George Washington
10 janeiro 1776. “O SENSO COMUM”(COMMON SENSE)
Panfleto de Thomas Paine
Difundiu e popularizou a idéia de independência
4 julho 1776. DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA
Elaborada por Thomas Jefferson
INTERNACIONALIZAÇÃO DA GUERRA
França, Espanha e Holanda entram na guerra contra a Grã-Bretanha
DERROTA BRITÂNICA
Grã-Bretanha reconhece a independência dos EUA
EUA ficam com o Ohio
Grã-Bretanha continuou com as Índias Ocidentais e o Canadá
c) A CONSTITUIÇÃO DE 1787
REGIME LIBERAL
República presidencialista federativa
Divisão em 3 poderes
Eleições indiretas p/ presidente (Colégio Eleitoral)
Primeiro presidente: George Washington (1789-1797)
AMPLA AUTONOMIA PARA OS GOVERNOS ESTADUAIS
Abolição da escravidão no Norte: a região avançou na direção da modernidade/industrialização capitalista
Manutenção da escravidão no Sul: a região continuou com uma estrutura tradicional agrária, escravista e aristocrática
5.4 O IMPACTO DA REVOLUÇÃO AMERICANA
Influenciou a Revolução Francesa e as Revoluções Hispano-Americanas
1823. DOUTRINA MONROE
Presidente James Monroe (1817-1825)
EUA apoiam a independência da América Latina (“A América para os americanos”)


sexta-feira, 20 de abril de 2012

38 - Estado laico e tradições culturais


Pessoal, seguem outros textos sobre o avanço do secularismo na atualidade e dos conflitos ou controvérsias culturais que ele costuma gerar - exemplos do impacto da modernização na configuração das sociedades contemporâneas. Os textos são alguns interessantes comentários do jornalista Reinaldo Azevedo sobre os movimentos seculares extremistas no Ocidente (inclusive no Brasil) que, em nome do caráter laico do Estado, tentam proibir crucifixos em escolas ou repartições públicas. Eles foram publicados originalmente no blog do autor http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo e seguem abaixo adaptados:
Texto I – O caso da Itália
Não pensem que os ateus e laicistas que pretendem eliminar os crucifixos das repartições púbicas brasileiras inovam, não! Essa não é uma luta nativa. Ao contrário! Há um movimento mundial neste sentido. A questão chegou à Corte Européia de Direitos Humanos, que fica em Estrasbugo, em fevereiro de 2011 — e não poderia haver ambiente mais laicista do que aquele. Não foi o crucifixo que venceu, mas o bom senso.

Qual é o caso? Sintetizo (leia mais aqui). Sole Lautsi, uma miliante do ateísmo, recorreu à Justiça italiana para que, atenção!, SE PROIBISSE a exposição de crucifixos nas escolas da Itália. Perdeu! Procurou então a Corte Européia. Numa primeira instância, ganhou. O estado italiano recorreu, e se deu o grande e final jugalmento.

Por 15 a 2, o tribunal pleno da Corte Européia decidiu que as escolas italianas TÊM, SIM, O DIREITO, SE QUISEREM, DE EXIBIR O CRUCIFIXO. O advogado da Itália, no caso, foi Joseph Weiler, um judeu ortodoxo. Já falo mais sobre ele. FEZ A DEFESA COM O QUIPÁ NA CABEÇA!!! E de graça. Judeu que é, conhece as falanges do preconceito e da intolerância. Com humor, chegou a afirmar, como lembrou o caro leitor Gandalf, neste blog: “Se eu recebesse algo por essa causa, diriam: ‘Esse judeu é capaz até de defender o crucifixo por dinheiro!’”.

Atenção para esta fala:

“A secularização é excludente porque favorece a crença secular e exclui todas as outras crenças, especialmente as religiosas, enquanto o princípio da neutralidade e inclusivo porque permite as crenças religiosas e seculares no espaço público”.


A afirmação é de Gergor Puppinck, diretor do Centro Europeu Pela Lei e Justiça.

Entenderam o ponto? Uma coisa é impor o crucifixo como símbolo do estado; outra é reconhecê-lo como expressão da liberdade e da história de uma nação. Proibir os crucifixos, entendeu a laicíssima Corte Européia, corresponderia a uma forma de exclusão, não de inclusão.          

Por Reinaldo Azevedo em 08/03/2012

Texto II – Entrevista com o advogado Joseph Weiler (do texto anterior)

Querem uma aula de tolerância e civilidade? Então leiam a entrevista que o advogado Joseph Weiler, que defendeu o direito das escolas italianas de exibir o crucifixo, concedeu em setembro do ano passado ao jornal português “Público”. Ele é judeu ortodoxo. A entrevista é longa, mas se trata de um dos mais brilhantes exercícios de tolerância que já li.

Joseph Weiler, nascido em 1951, é um judeu convicto. O que não o impediu de defender a possibilidade de haver (ou não) crucifixos nas paredes das escolas. Virou a opinião do tribunal, dos anteriores 17 a favor de retirar os símbolos religiosos da parede, para uns claríssimos 15 contra. Apenas dois juízes mantiveram a decisão anterior. E adverte: nem a Itália nem a França são neutros em matéria religiosa. Mas ambos devem educar para o pluralismo.

Especialista em Direito Constitucional europeu, Weiler é professor da Católica Global School of Law, da Universidade Católica Portuguesa, e, por isso, vem a Portugal várias vezes por ano. Tem publicado Uma Europa Cristã (ed. Princípia). E publicará, até final do ano, um livro sobre o processo que condenou Jesus à morte. Nele defende que “o sentido de justiça, na civilização ocidental, provém do julgamento de Jesus”, explica ao Segundo Caderno de Público. O Papa disse, no seu último livro, que os judeus não foram responsáveis pela morte de Jesus. Weiler, judeu, irá dizer o contrário. E explica por quê.

Defendeu o crucifixo nas salas de aula italianas…
Tive uma vitória famosa, 15-2…

Defendeu essa posição como jurista ou como judeu e crente, em solidariedade com outra fé?
Depois da decisão, recebi centenas de e-mails. Muitos diziam “obrigado por defender o crucifixo”. Muitos outros, vindos da comunidade judaica, perguntavam: “Como pode o filho de um rabi defender o crucifixo?” A todos, aos que me felicitavam ou que me condenavam, respondi o mesmo: “Não defendi o crucifixo. Defendi o direito da Itália a ser Itália e o direito de França, onde a cruz é proibida, a ser a França.”

Ou seja, a possibilidade de leis diferentes…
Acredito no valor do pluralismo nas relações entre a Igreja e o Estado, que existe na Europa, onde temos vários modelos: o modelo francês, o britânico, o alemão, etc. Isso é parte da força da civilização europeia. A decisão da câmara, por 17 contra zero, dizendo que a Itália estava a violar a Convenção Europeia por ter uma cruz nas salas de aula, parecia-me tão drástica que forçaria todos a ser como França. Isso parecia-me completamente contra o pluralismo e tolerância que existe na Europa.

E escreveu o editorial no European Journal of International Law
Sim. Dizendo que era uma decisão terrível. Como podia o tribunal decidir que a tradição na Grã-Bretanha, na Alemanha, em Malta, na Grécia ou na Dinamarca era contra os direitos humanos e a Convenção Europeia de Direitos Humanos? Perguntaram-me se queria ir ao tribunal. Concordei, com uma condição: seria pro bono, não queria que dissessem: “Olha o judeu, por dinheiro até é capaz de defender a cruz”. [ri] Decidi fazê-lo, porque acreditava que era a atitude certa.

Não foi só a Itália a defender essa posição.
Oito estados intervieram, convidando-me. A Itália defendeu a própria posição. O facto de ser judeu é irrelevante. Sou constitucionalista praticante e tal parecia-me errado, no âmbito da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Há duas coisas mais importantes, que me parecem erradas, no âmbito da Convenção e que me ajudaram a reagir: estou verdadeiramente cansado do argumento, repetido à exaustão, de que o Estado é neutro, em matéria religiosa, quando não permite o crucifixo na parede.

E não é assim?
Tentei convencer a câmara de que esse é um argumento errado. Se o Estado quer que a cruz esteja na parede, não é neutro. De certa maneira, é tomar uma posição sobre a importância do cristianismo na identidade do país. Ou seja, há algo na identidade do país que se quer valorizar com a cruz na parede e essa não é uma posição neutral.
Mas quando o Estado, como em França, proíbe a cruz, não está a ser neutro. Porque não há uma parede nua, vazia. Qualquer coisa pode ser colocada na parede: se amanhã houver uma maioria comunista, podem dizer que em todas as escolas tem que haver uma foice e um martelo.

Podem?
Sim, e não há nada na Constituição que o impeça: pode ter uma fotografia de Karl Marx na parede, pode ter um sinal de paz, uma posição ecológica… De facto, em todas as escolas primárias de França, está escrito: Liberté, egalité, fraternité - o slogan mobilizador da Revolução Francesa.
Eu gosto disso, mas não é neutral. Se for monárquico, não é neutro, seguramente. Qualquer símbolo é permitido nas paredes: Karl Marx e Groucho Marx; o sinal de paz, a foice e o martelo, o símbolo “nuclear não”. Há apenas um que não é permitido: a cruz, um símbolo religioso. Como é que isso é neutro?

Nem a estrela de David nem o crescente islâmico…
Sim… As crianças podem ir para a escola e usar uma t-shirt com uma fotografia de Che Guevara, podem ter escrito Love and Peace, podem ter um insulto a George Bush, qualquer posição política ou ecológica, podem levar o triângulo cor-de-rosa pelos direitos dos gays. A única coisa que não podem levar é a cruz, a estrela de David e o crescente.

Nem podem vestir o chador
Não… Isso não é ser neutro, é dar uma mensagem clara às crianças: tudo é permitido, excepto um símbolo religioso.
Na minha arguição, não disse que a França viola a Convenção Europeia por ter essa regra. Na tradição europeia, o Estado laico é uma opção respeitável. Mas não pretendam que seja neutro. Ele diz que tudo é permitido, excepto a cruz ou a estrela de David, e está a dar uma mensagem sobre religião.
No sistema italiano, apesar da cruz, há um dever educacional de respeitar os ateus e outras religiões. No sistema francês, onde se proíbe a cruz nas paredes mas se permite tudo o resto, há o dever de explicar aos estudantes que, apesar de se permitirem todos os símbolos excepto os religiosos, se deve ensinar o respeito pelos crentes. Nenhum dos sistemas é neutro. Em ambos está implícita uma espécie de preconceito. E em ambos é tarefa do sistema educativo contrabalançar as coisas para que a escola não ensine o preconceito mas a tolerância.

Esse era o seu primeiro argumento…
O segundo era: acreditamos na autodeterminação como direito fundamental. Acreditamos no direito de os britânicos serem britânicos e de os irlandeses serem irlandeses. A razão por que temos a Irlanda independente da Grã-Bretanha, em 1921, é porque os irlandeses são diferentes dos ingleses.
Como podemos imaginar a identidade irlandesa sem o catolicismo? No preâmbulo da Constituição irlandesa, diz: “Acreditamos que o Divino Senhor Jesus Cristo é a fonte de todo o dever, justiça e verdade.” Isto é o que são os irlandeses. O que vamos dizer-lhes? Não permitimos um sentido de nacionalidade que tem um tal conteúdo religioso?
O que é bonito na Europa, mesmo apesar da Constituição irlandesa, é que não há discriminação por causa da religião. Um judeu pode ser primeiro-ministro. Como um muçulmano ou um ateu. E aceitará que é impossível falar da identidade irlandesa sem o catolicismo e a cruz. Para o bem e o mal.

Mas é possível também que as sociedades mudem?
Mas compete às sociedades mudar. Na minha arguição - que é curta, eu só tinha 20 minutos -, dizia que, se um dia os ingleses decidirem deixar de ter o Anglicanismo como religião oficial, podem fazê-lo. Não é um país religioso, a maior parte dos britânicos não é religiosa. Mas faz parte da sua identidade.
Os suecos mudaram a Constituição e decidiram que a Igreja Luterana deixaria de ser a religião estabelecida no país. Mas foram eles que definiram a sua identidade sueca, não foi Estrasburgo. Não compete a Estrasburgo dizer que eles não podem ter uma cruz na bandeira. Eles deixaram de ter a Igreja oficial mas mantiveram a obrigação de o rei ser um luterano. O símbolo do Estado tem que ser um luterano.

Na sua arguição, afirmou também que este é um conflito entre o direito individual e o Estado. No caso italiano, tratou-se precisamente de uma mãe ofendida pela presença da cruz…
Em muitos casos, temos um conflito entre diferentes direitos fundamentais. O hino nacional inglês é uma oração: “God Save the Queen”, dá-lhe vitórias e glórias. Na escola, canta-se o hino nacional. E se houver um estudante que diz “sou ateu, não creio em Deus e não quero cantar uma oração”? O direito individual estará comprometido se a escola forçar esse estudante a cantar o hino nacional e se o ameaçar de expulsão.   Ninguém pode ser forçado a fazer um acto religioso, uma oração, mesmo quando não acredita…

Pode ser um republicano…
Claro, não tem que dizer “Deus salve a rainha”. Isso eu aceito. Mas não aceito que esse estudante ou a sua mãe digam que mais ninguém deve cantar o hino. É um compromisso simpático: ele tem o direito de ficar em silêncio, os outros o direito de cantar. E todos têm direito à liberdade religiosa.
A minha mãe cresceu no Congo Belga. A única escola para brancos era um convento católico. Os pais dela fizeram um acordo com as freiras: cada vez que elas dissessem Jesus, a minha mãe diria Moisés. É um bom compromisso.
Não podemos permitir que a liberdade de [ter ou não] religião ponha em causa a liberdade religiosa. Temos que descobrir a via média. E essa é dizer não, se alguém quiser forçar outro a beijar ou a genuflectir perante a cruz. Mas, se houver uma cruz na parede, direi aos meus filhos que vivemos num país cristão. Somos acolhidos, não somos discriminados. A Dinamarca tem uma cruz na bandeira, a Inglaterra e a Grécia igual. Vamos pedir que, por causa da liberdade religiosa, tirem a cruz das bandeiras? Absurdo!…

É por causa disso que fala de argumentos iliberais?
Sim, porque o ponto de vista liberal é, muitas vezes, iliberal. As pessoas falam de liberdade religiosa, mas, de facto, muitas vezes é cristofobia. Não é neutralidade, é antes porque não gostam do cristianismo e da Igreja. Sei por quê: a Igreja tem uma história complicada…

É também por causa disso?
Claro. Compreendo, mas não devemos mascarar os factos. Vivemos numa sociedade em que algumas pessoas são religiosas, outras não. A questão é como vivemos juntos. Não podemos pretender que, se negarmos todas as religiões no espaço público, isso é neutro. É o que faz a França, mas não é o único modo de o fazer.

Então deveria ser possível ter uma cruz na sala de aula e educar os estudantes para o pluralismo?
Absolutamente. Seria uma lição de pluralismo. Porque diríamos: apesar de ter uma cruz na sala de aula ou uma cruz nas bandeiras, permitimos que um primeiro-ministro seja muçulmano ou judeu. A Itália teve primeiros-ministros, generais e ministros judeus.
Na Grã-Bretanha, o chefe de Estado é o chefe da Igreja, há uma Igreja de Estado, o hino nacional é uma oração. Quem diria que o país não é tolerante? É o país de eleição para muitos muçulmanos emigrantes. O facto de haver uma identidade religiosa e uma prática de não-discriminação é um sinal de uma sociedade pluralista e tolerante.
De certa maneira, a Grã-Bretanha com a cruz é mais pluralista e tolerante do que a França, sem a cruz. Porque na Grã-Bretanha, apesar de afirmar a identidade religiosa do Estado, é não discriminatória em todos os aspectos da vida. Financia escolas anglicanas, mas também católicas, judias, muçulmanas e seculares. Os países laicos financiam escolas seculares, mas não escolas religiosas. Quem é mais tolerante e pluralista?

Evocou a herança cristã da Europa, debatida a propósito da Constituição Europeia. Se ela tivesse avançado, também devia referir a herança judaica e muçulmana e a Revolução Francesa?
Deveria ter uma referência às raízes cristãs.

E judaicas e muçulmanas. Na Península Ibérica, por exemplo…
Na Europa, também há vegetarianos. É uma questão de grau. Temos que mencionar judeus, muçulmanos, baha”ís? Eu também falaria de raízes judaicas e muçulmanas na cultura hispânica. Mas, na Europa, a maior parte é cristã. Não falaria de raízes cristãs no Egipto, mesmo havendo uma minoria cristã no país.
De um ponto de vista cultural, o cristianismo jogou um papel decisivo na definição da civilização europeia. Para o bem e para o mal. As raízes cristãs são também a Inquisição, judeus queimados. Quando eliminamos as raízes cristãs, obliteramos também a memória das coisas más que a cristandade fez.
Não há uma cidade na Europa sem uma catedral, onde o museu não esteja cheio de pintura sacra. E os direitos humanos não derivam apenas da Revolução Francesa, derivam da tradição judaico-cristã. Porque queremos negar isso? O que se vê no Prado, no Museu Gulbenkian? Madonna con bambino… Isso não é a Europa? É um absurdo.

É possível coexistir a laicidade francesa e outros modelos?
Claro, essa é a riqueza da Europa. A Europa lidera pelo exemplo, não pela força. Gostaríamos que por todo o mundo houvesse democracias pluralistas e tolerantes. Que possibilidades há de persuadir alguns países muçulmanos a abraçar o pluralismo se dissermos que a religião deve ficar na esfera privada?
Podemos dizer à Arábia Saudita: podem tornar-se uma democracia, reconhecer os direitos humanos e manter a vossa identidade muçulmana. Reparem no que se passa na Grã-Bretanha, reparem no pluralismo europeu: há um modelo francês, um britânico, um grego. Não somos apenas como os franceses.

Por Reinaldo Azevedo em 08/03/2012




Texto III – O caso da Grã-Bretanha (e uma comparação entre Locke e Rousseau)


A garantia dos direitos individuais como um valor político inegociável é herança do Iluminismo inglês, não do francês. Esta noção que temos hoje de que o Estado não pode invadir a nossa vida e de que tem de ter seus apetites contidos deriva de John Locke (1632-1704). É o pai do estado liberal. Em contraste, Rousseau (1712-1778), o suíço – francês na formação, na cultura e no pensamento – era uma besta ao quadrado do coletivismo. Está na raiz, sob qualquer ângulo que se queira, dos totalitarismos do século 20. Não foi o único a revestir de “luzes” um pensamento autoritário, mas foi a mais perfeita tradução dessa perversão.


Não pensem que é um mero acaso o fato de que seja citado ainda hoje em nossas escolas por causa da famosa síntese: “O homem nasce puro; a sociedade é que o corrompe”. O acento da frase, e de sua obra, não estava na pureza original do homem, mas na sociedade como elemento de corrupção, donde se conclui que todos se manterão bons se a sociedade for boa. Para alcançar este objetivo, vale tudo. Até Voltaire (1694-1778), que não pode ser considerado um inspirador do liberalismo, ao ler o “Discurso sobre a Origem e Fundamentos da Desigualdade Entre Homens”, que Rousseau lhe passara, escreveu em carta: “Ao ler o seu texto, a gente se sente tentado a voltar a andar de quatro”.


O Iluminismo inglês, que inventou o indivíduo moderno, é quase ignorado nos livros didáticos. Já o francês é glorificado como fonte de tudo o que se tem de bom hoje em dia. Na periodização da história, a Revolução Francesa marca o início da “Idade Contemporânea”… Pois é! Os ingleses sempre foram muito ciosos na defesa dos fundamentos do “seu” iluminismo. A França, por motivos que não vou detalhar aqui e que vocês estudaram na escola (se é que o professor não estava ocupado em dar aula de “cidadania”, ensinado que foi Lula quem descobriu o Brasil), nunca foi uma boa referência para os ingleses. Ao menos até a chegada ao poder de David Cameron, esse conservador de meia-pataca.


Quase 250 anos depois daqueles embates, este zé-mané põe o iluminismo inglês de joelhos diante da poça de sangue do iluminismo francês. Rousseau, o bestalhão autoritário, vence Locke, o libertário.


Por que esta longa introdução? Nadia Eweida, agente de check-in da Britsh Airways, foi suspensa do trabalho em 2006 porque se recusou a tirar um crucifixo que usava durante o expediente. A enfermeira Chaplin Shirley foi demitida pelo mesmo motivo. Ambas recorreram. Perderam nos tribunais ingleses e levaram a questão à Corte Européia de Direitos Humanos — a mesma que decidiu, por 15 a 2, que as escolas italianas têm o direito de exibir crucifixos. E Cameron com isso, o conservador do shortinho limpinho, com seu arzinho asseado de quem jamais fumaria os charutos de Churchill ou tomaria seus uísques? Vai atuar contra as duas!


Elas alegam que estão tendo seus direitos cerceados, uma vez que a lei garante a liberdade religiosa. O argumento para a proibição é de um cinismo escandaloso: a exibição do crucifixo, sustentam a Justiça e o governo britânicos, não é uma obrigação religiosa no cristianismo; logo, se não é, então pode ser proibida. Entenderam o ponto? A Inglaterra de Locke não apenas cede à França de Rousseau e do tarado Robespierre como a supera em estupidez. Os franceses, como sabem, proíbem a exibição de quaisquer símbolos religiosos nas escolas: vale para o véu islâmico ou para o crucifixo. Na Inglaterra, entende-se, então, que é permitido proibir o crucifixo porque a sua exibição no corpo não é uma obrigação religiosa; já o véu islâmico jamais poderia ser proibido — e, na Inglaterra, não é mesmo! — porque, afinal, se trata de uma obrigação…


Tem-se, pois, como desdobramento lógico o seguinte ilogismo: a religião mais liberal na imposição de padrões de comportamento é punida; já a mais restritiva é protegida. Um funcionário islâmico que fosse proibido de manifestar a sua filiação religiosa geraria imediatamente a acusação de “islamofobia”; já a “cristofobia” parece coisa muito normal, necessária e consequência óbvia de um estado laico — ainda que o (a) chefe de estado na Grã-Bretanha seja também chefe da Igreja Anglicana.


A isso chegamos. Assim está sendo tratada a herança cultural cristã, e esse é o entendimento que se tem da liberdade religiosa e do direito de escolha quando o tema é o cristianismo.


 Por Reinaldo Azevedo em 13/03/2012

 Texto IV – O caso do Rio Grande do Sul

Leiam um artigo do notável do jurista gaúcho Paulo Brossard, ex-ministro do STF, sobre a retirada dos crucifixos dos tribunais do Rio Grande do Sul. Foi publicado na edição desta segunda do Zero Hora.

Tempos apocalípticos

Minha filha Magda me advertiu de que estamos a viver tempos do Apocalipse sem nos darmos conta; semana passada, certifiquei-me do acerto da sua observação, ao ler a notícia de que o douto Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado, atendendo postulação de ONG representante de opção sexual minoritária, em decisão administrativa, unânime, resolvera determinar a retirada de crucifixos porventura existentes em prédios do Poder Judiciário estadual, decisão essa que seria homologada pelo Tribunal. Seria este “o caminho que responde aos princípios constitucionais republicanos de Estado laico” e da separação entre Igreja e Estado.

Tenho para mim tratar-se de um equívoco, pois desde a adoção da República o Estado é laico e a separação entre Igreja e Estado não é novidade da Constituição de 1988, data de 7 de janeiro de 1890, Decreto 119-A, da lavra do ministro Rui Barbosa, que, de longa data, se batia pela liberdade dos cultos. Desde então, sem solução de continuidade, todas as Constituições, inclusive as bastardas, têm reiterado o princípio hoje centenário, o que não impediu que o histórico defensor da liberdade dos cultos e da separação entre Igreja e Estado sustentasse que “a nossa lei constitucional não é antirreligiosa, nem irreligiosa”.

É hora de voltar ao assunto. Disse há pouco que estava a ocorrer um engano. A meu juízo, os crucifixos existentes nas salas de julgamento do Tribunal lá não se encontram em reverência a uma das pessoas da Santíssima Trindade, segundo a teologia cristã, mas a alguém que foi acusado, processado, julgado, condenado e executado, enfim justiçado até sua crucificação, com ofensa às regras legais históricas, e, por fim, ainda vítima de pusilanimidade de Pilatos, que tendo consciência da inocência do perseguido, preferiu lavar as mãos, e com isso passar à História.

 Em todas as salas onde existe a figura de Cristo, é sempre como o injustiçado que aparece, e nunca em outra postura, fosse nas bodas de Caná, entre os sacerdotes no templo, ou com seus discípulos na ceia que Leonardo Da Vinci imortalizou. No seu artigo “O justo e a justiça política”, publicado na Sexta-feira Santa de 1899, Rui Barbosa salienta que “por seis julgamentos passou Cristo, três às mãos dos judeus, três às dos romanos, e em nenhum teve um juiz”… e, adiante, “não há tribunais, que bastem, para abrigar o direito, quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados”. Em todas as fases do processo, ocorreu sempre a preterição das formalidades legais. Em outras palavras, o processo, do início ao fim, infringiu o que em linguagem atual se denomina o devido processo legal. O crucifixo está nos tribunais não porque Jesus fosse uma divindade, mas porque foi vítima da maior das falsidades de justiça pervertida.

Não é tudo. Pilatos ficou na história como o protótipo do juiz covarde. É deste modo que, há mais de cem anos, Rui concluiu seu artigo, “como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde”.

Faz mais de 60 anos que frequento o Tribunal gaúcho, dele recebi a distinção de fazer-me uma vez seu advogado perante o STF, e em seu seio encontrei juízes notáveis. Um deles chamava-se Isaac Soibelman Melzer. Não era cristão e, ao que sei, o crucifixo não o impediu de ser o modelar juiz que foi e que me apraz lembrar em homenagem à sua memória. Outrossim, não sei se a retirada do crucifixo vai melhorar o quilate de algum dos menos bons.

Por derradeiro, confesso que me surpreende a circunstância de ter sido uma ONG de lésbicas que tenha obtido a escarninha medida em causa. A propósito, alguém lembrou se a mesma entidade não iria propor a retirada de “Deus” do preâmbulo da Constituição nem a demolição do Cristo que domina os céus do Rio de Janeiro durante os dias e todas as noites.

Por Reinaldo Azevedo em 12/03/2012