Pessoal, mais uma dica de leitura: Não Somos Racistas, de Ali Kamel. O comentário sobre o livro e seu conteúdo (conceito de raça e racismo) é de Jerônimo Teixeira e saiu na Veja (16 de agosto de 2006).
Contra o mito da "nação bicolor"
As falácias da política de cotas raciaisna análise demolidora de Ali Kamel
No início dos anos 1930, às vésperas da ascensão do nazismo, as posições pacifistas do físico alemão Albert Einstein geravam rancor entre seus compatriotas. Com o título de 100 Autores contra Einstein, um livro coletivo foi publicado para atacar suas idéias. Einstein respondeu com sua inteligência característica: "Por que 100 autores? Se eu estivesse errado, um só bastaria". A anedota merece ser lembrada a propósito da recente guerra de abaixo-assinados gerada pela Lei de Cotas e pelo Estatuto da Igualdade Racial – projetos de lei que visam a estabelecer políticas de "ação afirmativa" para favorecer os negros, com cotas raciais nas universidades e no funcionalismo público. Há pouco mais de um mês, um manifesto contrário ao estatuto, assinado por 114 intelectuais, foi entregue ao Congresso. Os movimentos sociais que apóiam as cotas responderam de bate-pronto com outro abaixo-assinado, este com 330 signatários. Agora, quando a poeira da discussão já começava a assentar (e a votação do estatuto na Câmara dos Deputados ficou para o ano que vem), o diretor executivo de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, lança um livro fundamental para entender a questão. Não Somos Racistas (Nova Fronteira; 144 páginas; 22 reais) demonstra que as chamadas "ações afirmativas" são uma resposta irracional para um problema fictício – o racismo institucional, que não vigora no Brasil. Um só autor basta para provar que 330 estão errados.
O engano fundamental das políticas raciais estaria, de acordo com Kamel, em considerar que a sociedade brasileira é constitutivamente racista. Existe racismo no Brasil, mas ele não é um dado predominante da cultura nacional e não conta com aval de nenhuma instituição pública. Ao exigir, por exemplo, que certidões de nascimento, prontuários médicos e outros documentos oficiais informem a raça de seu portador, o Estatuto da Igualdade Racial está na verdade desprezando uma longa tradição de mistura e convivência em prol de categorias raciais estanques e estúpidas. É, na prática, um exercício de discriminação racial, sancionado pelo Estado.
A miscigenação, dado central da sociedade brasileira, é o fato recalcado pelos defensores das cotas. A lógica beligerante implícita do estatuto e da lei de cotas é de que existem dois grandes grupos no Brasil: os brancos, opressores, e os negros, oprimidos. Isso se revela até no uso das estatísticas do IBGE – e um dos pontos fortes de Não Somos Racistas é a clareza com que o autor (que, além de jornalista, tem formação em ciências sociais) destrinça números para desmontar a falácia das cotas. Nas contas dos que defendem medidas do gênero, os negros são 48% da população, mas representam 66% dos brasileiros pobres. Kamel parte da mesma fonte – a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE – para observar que, na verdade, os negros são uma minoria. Os filhos da miscigenação, definidos como "pardos", são mais numerosos e têm um lugar ambíguo no discurso racial. Sendo, em geral, descendentes de africanos e de europeus, por que deveriam ser considerados apenas "negros"? Pardos e negros, somados, representam, sim, a maioria dos pobres brasileiros – em números absolutos, 38 milhões. Mas o contingente de brancos pobres também é enorme. Como justificar uma política de avanço "racial" que deixaria para trás a massa de 19 milhões de brancos pobres? Os mulatos mais claros serão favorecidos ou esquecidos por essas políticas de discriminação? O Estatuto da Igualdade Racial, como se vê, é uma receita para que os cidadãos brasileiros recebam tratamento desigual por parte do Estado. A pobreza, argumenta Kamel, é a chaga social renitente do Brasil. Ela não discrimina: atinge brancos, negros, mulatos. "Negros e pardos são maioria entre os pobres porque o nosso modelo econômico foi sempre concentrador de renda: quem foi pobre (e os escravos, por definição, não tinham posses) esteve fadado a continuar pobre", observa Kamel. Negros, brancos e pardos, diz o autor, só sairão da pobreza por força de políticas que incluam a todos – especialmente com investimentos consistentes em educação.
Kamel também é muito eficiente ao traçar o histórico das equivocadas políticas raciais debatidas hoje. A idéia de que o Brasil é racista foi, de acordo com o autor, inventada a partir dos anos 1950 por cientistas sociais como Florestan Fernandes – e Fernando Henrique Cardoso. Foi em consonância com as idéias expostas na obra do sociólogo – como Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional – que o presidente Fernando Henrique implementou as primeiras políticas de "ação afirmativa" no funcionalismo público. A distorção que Kamel chama de "nação bicolor" teve início ali, e ganhou uma continuidade "canhestra" no governo Lula. Caberá aos deputados eleitos neste ano dar um ponto final nessa escalada, recusando o Estatuto da Igualdade Racial. Seria salutar que todos eles lessem Não Somos Racistas.
sexta-feira, 5 de março de 2010
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