Pessoal, uma dica de livro: A Ascensão do Dinheiro, de Niall Ferguson, um dos meus historiadores preferidos. Quem comenta é Benedito Sverberi na Veja (26 de agosto 2009)
Dinheiro também é cultura
Um livro demonstra que a inovação financeira sempre foi um fator central no avanço da civilização – e devolve à economia sua dimensão de aventura intelectual
Em novembro do ano passado, quando os mercados financeiros mundiais estavam mergulhados no pânico absoluto, a rainha Elizabeth da Inglaterra visitou a London School of Economics para inaugurar um novo prédio. Na ocasião, aproveitou para perguntar aos professores da tradicional escola de economia o motivo da irrupção de uma das mais profundas crises econômicas da história. "Mas como ninguém percebeu o que estava acontecendo?", questionou a rainha, que é famosa por sempre manter a fleuma e evitar ao máximo emitir opiniões sobre qualquer assunto. "Terrível." A rainha, é óbvio, não esteve sozinha ao pôr em dúvida o tirocínio dos economistas. Desde a eclosão da crise, eles e seus modelos teóricos caíram em desgraça. As ferramentas financeiras desenvolvidas nos últimos cinquenta anos foram classificadas de inúteis, nas críticas mais amenas, ou de perniciosas, nas mais acerbas. Também voltou com força a ideia de que as bolsas não são mais do que cassinos vulgares, nos quais espertalhões fazem fortuna à custa de inocentes. Escrito por um súdito da rainha, o historiador escocês Niall Ferguson, A Ascensão do Dinheiro (tradução de Cordelia Magalhães; Planeta; 424 páginas; 49,90 reais) ajuda a combater esse espírito. Primeiro, ao demonstrar que a inovação financeira sempre foi um fator central no avanço das sociedades – ou mesmo das civilizações. Em segundo lugar, por conferir à reflexão econômica a sua devida dimensão de aventura intelectual.
"Atrás de cada fenômeno histórico grandioso existe um segredo financeiro", afirma Ferguson. A Ascensão do Dinheiro traça a história das finanças desde os seus primórdios, na Mesopotâmia. E essa história, diz Ferguson, não deve ser vista apenas como um pano de fundo para os grandes acontecimentos da cultura e da política. Todos os fios estão entretecidos. Na transição dos séculos XIV e XV, por exemplo, o florescimento dos negócios bancários na Itália foi condição indispensável para que a Renascença tivesse seus esplendores. Da mesma forma, a criação das finanças corporativas foi alicerce para o império britânico, e a expansão da indústria de seguros e do crédito ao consumidor, um pressuposto da prosperidade americana no século XX. Ferguson, obviamente, não deixa de registrar os momentos de ruptura. Seria uma das "verdades perenes" da história financeira o fato de que, "mais cedo ou mais tarde, as bolhas sempre explodem". No balanço geral da história, contudo, os ganhos sempre se sobrepõem às perdas. Ferguson rejeita peremptoriamente a tese de que a pobreza decorre da exploração de homens simples por financistas predatórios. "A pobreza", diz ele, "tem muito mais a ver com a falta de instituições financeiras e de bancos do que com sua presença."
O livro de Ferguson também é valioso por apontar muitos dos personagens que, ao longo dos séculos, foram responsáveis pelas grandes inovações no mundo das finanças. São figuras como o matemático italiano Leonardo de Pisa, ou Fibonacci, responsável pela introdução do sistema decimal na Europa da Idade Média, ou o barão Nathan de Rothschild, um dos fundadores da dinastia de financistas que dominou o sistema bancário europeu no século XIX e aperfeiçoou a emissão de títulos de dívidas de países. Aparecem, por fim, alguns dos pais do pensamento financeiro contemporâneo, calcado na matemática e que deu base para o extraordinário crescimento daquilo que Ferguson chama de "Planeta Finanças", com sua miríade de títulos e derivativos. São acadêmicos ainda vivos e atuantes, como Harry Markowitz, pioneiro no estudo de diversificação de carteiras de investimentos, e Myron Scholes, que, junto com Fischer Black (já falecido), desenvolveu a fórmula de Black-Scholes, uma equação matemática utilizada para dar preço a ativos financeiros. Eles são os principais alvos daqueles que, na esteira da crise, falam no desmoronamento de uma parte considerável do edifício teórico da economia capitalista.
Ferguson ajuda a separar as críticas pertinentes ao pensamento financeiro moderno daquelas que são apenas mistificação ideológica. Lança luz, principalmente, sobre o campo em desenvolvimento da economia comportamental, que põe em xeque a abstração que está no centro da teoria financeira contemporânea: a ideia de que os indivíduos que atuam no mercado são sempre "racionais", ou seja, capazes de processar informações de maneira perfeita, de modo a tomar decisões que sempre maximizem os seus ganhos e respondam da melhor maneira aos seus interesses. Diz Ferguson: "Se o sistema financeiro tem um defeito, é que ele reflete e amplia aquilo que somos, como seres humanos. Os booms e quebradeiras são produto, na raiz, da nossa volatilidade emocional". A despeito da crise, as ferramentas financeiras desenvolvidas nos últimos cinquenta anos não serão abandonadas. Os mercados já não conseguem viver sem elas – e isso é bom, pois, apesar de suas falhas, elas foram fundamentais para democratizar o crédito e o consumo, cumprindo seu papel histórico de alimentar o desenvolvimento. Como Ferguson sugere, mais que derrocada, a palavra que melhor se aplica ao processo por que estão passando os mercados financeiros neste exato momento é evolução. Como em tantas outras vezes no passado.
sexta-feira, 5 de março de 2010
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