DINHEIRO NÃO EXPLICA TUDO, SENHORES
Por: Felipe Moura Brasil em
Veja (24/06/2016)
Resumo, com base nos ensinamentos do filósofo
inglês Roger Scruton, e comento abaixo os fatores que constituem as verdadeiras causas
da insatisfação britânica com a UE:
A situação do pós-guerra
Os britânicos defenderam com sucesso sua soberania
contra o nazismo – e o país não foi ocupado. Outras nações, que mantiveram
uma espécie de neutralidade, sofreram derrotas e/ou foram ocupadas. Isto
implica uma enorme diferença na psique dos britânicos, porque
eles saíram da guerra com o senso de ter cumprido um dever
fundamental: o de proteger o país contra a ameaça externa. A
premissa na cabeça deles é de que, ao defender sua liberdade, defendem também
a Europa e seus valores contra as tentativas de destruí-los. Alemães e
franceses, por exemplo, sobreviveram à ocupação e à animosidade entre eles e
precisavam de um novo tipo de reconciliação que os britânicos dispensam. A
geração que lutou contra Hitler deixou para as gerações seguintes uma
pergunta incontornável a ser feita diante da opção de entregar a soberania a
qualquer corpo político transnacional composto por burocratas não eleitos:
– Valeu a pena lutar para depois simplesmente
se render?
Para se ter uma ideia do peso desta luta na
história britânica, este blog recomenda o livro “O fator Churchill – Como
um homem fez história”, escrito pelo ex-prefeito de Londres e também
jornalista de carreira, Boris Johnson, um dos líderes do movimento pela saída
da UE e, por isso mesmo, tachado de tudo quanto é rótulo negativo por
jornalistas que nunca leram sua obra. Eis um trecho para facilitar:
“Um ano
depois dessa decisão [de Winston Churchill] – lutar em vez de negociar [com
Hitler] –30 mil homens, mulheres e crianças britânicos tinham perdido a vida,
quase todos em mãos alemãs. Pesando na balança as alternativas – uma paz
humilhante ou a matança de inocentes –, é difícil imaginar qualquer político
britânico moderno tendo a coragem de seguir a mesma linha de ação de
Churchill.”
No entanto, ele “estava disposto a pagar
essa conta do açougueiro”, porque “tinha a vasta e quase temerária coragem
moral de ver que seguir lutando seria pavoroso, mas que render-se seria ainda
pior. Estava certo.”
Britânicos têm governo e leis diferentes em relação
ao resto da Europa, que viveu a grande transformação infligida por Napoleão.
Na Grã-Bretanha, a legislação não foi em geral
criada de cima, mas de baixo: da resolução dos conflitos entre pessoas comuns. O
sistema de common law britânico têm especial dificuldade de se
adequar a decisões de tribunais europeus. Quando os britânicos se
veem submetidos a um regime de regulações bastante distinto daquele a que
estão acostumados – no qual o Parlamento só intervém quando há algum
problema adicional –, isto inevitavelmente gera sentimentos de revolta. A
sensação é de estar sendo governado por gente de fora que não os entende e
não sabe como resolver seus problemas, mas apenas criar regras, que geram
tantos conflitos quanto resolvem – enquanto a common law só
se ocupa de resolvê-los. Boris Johnson, agora cotado como favorito
dentro do Partido Conservador para substituir David Cameron como
primeiro-ministro, disse justamente o seguinte após a
vitória do Brexit:
“Acredito
que temos uma oportunidade gloriosa: podemos aprovar nossas leis e ajustar
nossos impostos de acordo com a necessidade da economia do Reino Unido.”
O mais importante: britânicos falam a língua
internacional e são tão imersos nela que raramente falam outra.
Têm em geral pouca habilidade para entender
qualquer língua que não a sua; mas a língua que eles falam é a primeira
que as demais pessoas geralmente aprendem. Então qualquer
cidadão razoavelmente educado de outro país pode se mudar para o
deles e se estabelecer no território; mas esse território é pequeno – e é
muito amado também, porque os britânicos lutaram por ele em duas guerras
mundiais. Esta era, de fato, a maior mensagem de propaganda naquele período:
que eles tinham um lindo território que precisava ser
salvo e protegido. Então os britânicos se sentem sob cerco em
função da provisão de liberdade de movimento concedida pela União
Europeia, que leva meio milhão de pessoas a cada ano para dentro do
pequeno país. Como esta provisão está embutida no acordo, é
quase impossível de mudar. E ela é o fator mais incômodo aos britânicos, que
sentem terem perdido o controle sobre suas fronteiras. Um vasto
número de pessoas dos países que eram comunistas no Leste Europeu competem com
eles por trabalho e sobretudo moradia, o que causa uma enorme crise imobiliária
que os britânicos não sabem como resolver. Isto remete à primeira
razão, de defesa da soberania. Britânicos se perguntam como pode haver
soberania nacional se eles perderam o direito de controle das fronteiras:
se não podemos excluir aqueles que não queremos e se temos de dar privilégios
especiais àqueles que queremos. Esses 3 fatores, amparados num senso profundo
de ordenamento político que vigora há mil anos, são as verdadeiras causas da
insatisfação britânica com a UE.
DUAS OBSERVAÇÕES BÁSICAS:
1) A
UE, em seu entusiasmo por dissolver as fronteiras, deixou-se desprotegida
contra migrações de massa.
O sentimento alemão de culpa obviamente piora a
situação e não há como negar a preocupação com os problemas criados
pelas medidas politicamente corretas adotadas por Angela Merkel.
Esta preocupação se traduz nas
seguintes questões:
a) Não
há limites para as pessoas que receberemos e, se houver, somos forçados a
aceitar uma transferência completa de população ao nosso país que lutou para se
proteger precisamente contra as ambições de seus vizinhos?
b) Devemos
ignorar fatores como conhecimento, religião, capacidade de adaptação e cultura
na incorporação de novas comunidades em nosso meio?
Essas são as grandes perguntas que a UE
despertou e que, até certo ponto, proibiu a população dos países-membros de
discutir. Escócia e Irlanda do Norte votaram por permanecer no bloco e
políticos dos dois países já sinalizaram que pretendem trabalhar por um
referendo para se separarem do Reino Unido, mas os britânicos estão dispostos a
aceitar as consequências.
2) Ser governado por um tratado é colocar-se numa
situação em que você não pode se adaptar à mudança.
Cada nação pode identificar seus problemas e
resolvê-los ou adaptar-se a eles se puder tomar iniciativas legislativas
por si própria. Se não podem tomar decisões, como vão se adaptar? O
acordo impõe que se tenha a assinatura de todos os seus membros para
fazer mudanças até as mais básicas. Mas é um acordo assinado há mais de 50
anos por pessoas que já morreram em uma situação que já desapareceu. Então se
questiona:
– Por que ainda devemos ser governados por
isso em vez de nossas próprias decisões serem tomadas em nossos parlamentos de
acordo com o nosso próprio senso de quais são os nossos problemas?
A maioria dos
britânicos considera irracional essa submissão. Quando Lenin impôs o
comunismo naquilo que se tornou a URSS, ele destruiu todas as instituições nas
quais a oposição poderia se formar. Não apenas as instituições do
Parlamento, mas também as instituições jurídicas, abolindo os tribunais e as
profissões adjacentes. Então não havia oposição e a URSS seguiu
assim por 70 anos até a queda do muro que nunca deveria ter estado lá. Construir
um ordenamento político sem espaço para oposição ou sem a habilidade
de mudar de acordo com a necessidade do momento é o maior dos erros políticos. É
o erro de criar uma ordem política que não vai reconhecer erros políticos. É
isto que a UE fez, na prática, ao vincular todos os seus procedimentos a um
acordo assinado em uma situação que desapareceu. A UE confiscou a
soberania nacional e não ofereceu nada em troca por ela.
DUAS RESPOSTAS A ARGUMENTOS ECONÔMICOS:
1) Os argumentos econômicos não tendem a uma só
direção
Uma zona de livre comércio obviamente simplifica o
comércio e portando a prosperidade, mas as regulações do regime da UE ao mesmo
tempo criam obstáculos contra isto, dando um limite de competitividade a
países do Círculo do Pacífico e controlando as horas de jornada e condições de
trabalho, o que torna nações da UE não competitivas na moderna economia global.
Esses problemas são complexos, mas as evidências
históricas mostram que os economistas são muitas vezes autoridades
autocentradas que erram com frequência em seus julgamentos
(especialmente quando estão em jogo elementos para além de sua especialidade, o
que praticamente sempre é o caso, pois o mundo real não vem separado
em categorias). A UE não ensinou o Reino Unido a fazer comércio, muito
pelo contrário. E se o país souber fortalecer seu capital
cultural, tende a reverter efeitos negativos imediatos da economia com muito
mais consistência em longo prazo, como aconteceu com todas as nações que
historicamente colocaram a conquista da inteligência e da liberdade à frente
da ambição financeira.
2) O argumento não é sobre economia, de qualquer
modo. É sobre identidade: quem somos nós?
Imagine persuadir pessoas a compartilhar suas casas
e terras com uma família cujos modos e valores elas não podem aceitar, sob a
contrapartida de que ficarão duas vezes mais ricas do que são. A resposta
poderia ser: ok, que bom que seremos duas vezes mais ricos, mas não
teríamos o que realmente queremos, que é o nosso amor um pelo outro, nosso
vínculo a este lugar e nossa habilidade de governarmos a nós mesmos de acordo
com o nosso próprio modo de vida. Esta resposta soa perfeitamente razoável. Uma
das grandes perguntas neste debate é: não há outros valores que não os
econômicos? No nosso mundo, quando políticos têm de responder perguntas, eles
rebaixam as perguntas aos termos econômicos: será melhor se fizermos isto, será
pior se fizermos aquilo, e assim por diante, mesmo quando as perguntas
sobre economia vêm apenas depois de perguntas sobre integridade, soberania
e liberdade. E é disto que se trata.
MARGARET THATCHER AVISOU. ELA TINHA RAZÃO.
Em entrevista à revista Forbes, publicada
em 26 de outubro de 1992, a ex-premiê britânica afirmou:
“As nações se sentem confortáveis em sua própria
nacionalidade. O orgulho permite que você faça coisas que de outra forma
poderia não ser capaz de fazer. A Europa deve se constituir de cada grupo em
sua própria identidade nacional. Não tente apagar isso. Se você tentar empurrar
as pessoas para um molde, você vai criar ressentimento, e é isto que você está
criando agora. (…) Maastricht foi um acordo que virou totalmente na direção
errada. Foi um tratado que nos levou de ser uma comunidade econômica com uma
espécie de mercado comum como nosso objetivo, a tentar criar uma União Europeia
com uma cidadania dessa união”.
O temor de Thatcher: “80% das decisões econômicas
da Grã-Bretanha será feita em Bruxelas.”
“O que é que há com essas pessoas que gostam das
liberdades da democracia, que apreciam que os representantes eleitos prestem
contas perante o povo? Por que eles querem substituir isto por burocracia? Qual
é o problema, o que aconteceu com eles? Vou lhe dizer que a Comissão [Europeia]
ama seus poderes. Poder por uma questão de poder. Não foi por isso que lutamos.
Nós lutamos pela democracia, liberdade e Justiça. (…) Nós acabamos de reeleger
nosso parlamento. Para quê? Apenas para ser um talk show?”
Sistemas internacionais centralizados, como moedas
nacionais, estavam fadadas ao fracasso segundo Thatcher porque “estamos todos
em diferentes níveis de desenvolvimento das nossas economias”. Ela alertou para
“enormes subsídios extras do resto de nós para eles ou movimentos maciços de
imigração de seus países para o nosso. Ambos causariam ressentimento e não um
desenvolvimento harmonioso. Devemos cada um de nós se orgulhar de ser países
separados que cooperam juntos”. De fato, os europeus se livraram de moedas
nacionais e as substituíram pelo euro, mas as economias combinadas eram
totalmente distintas.Thatcher ensinava ainda:
“A forma regular mais detalhada de cooperação
internacional é o comércio, o comércio internacional. Ele acontece a cada hora
do dia. As grandes empresas em países pequenos que vendem para pequenas
empresas em grandes países. Não importa o tamanho do seu país. Em livre
comércio, você obtém a livre circulação com os melhores produtos, o melhor
valor para o consumidor. E é isso que todos nós devemos levar adiante. Não
blocos de comércio que excluem as pessoas.”
Sendo ou não bravata da Dama de Ferro, em tudo isto
que previu, em tudo que falou em 1992 que daria errado com a permanência no
bloco, ela estava coberta de razão, embora o atual CEO esquerdista da própria
Forbes não tenha aprendido bulhufas:
As elites políticas e econômicas da UE, como o
resto do establishment bancado e pautado por toda parte pelo investidor
bilionário de esquerda George Soros, não estão interessadas no povo britânico,
mas, sim, em manter seu poder e, quem sabe, aumentá-lo, rotulando de populistas
de direita quem lhes faça oposição e de idiotas quem os siga. Felizmente, dessa
vez, os britânicos ouviram Thatcher e escaparam do engodo. Agora, como
antecipei em abril, só falta o Brasil se livrar de Mercosul e Unasul:
Felipe Moura Brasil ⎯ http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
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