Hugo Chávez
(1954-2013)
Em mais de uma
ocasião, Hugo Rafael Chávez Frías disse que pretendia permanecer no poder na
Venezuela até 2031. Na tarde desta terça-feira, contudo, as complicações advindas
de um câncer na região pélvica abreviaram seus planos: a morte de Chávez foi
anunciada pelo seu vice, Nicolás Maduro, e pôs fim a um governo que já durava
14 anos. (…) A morte deixa um vácuo difícil de ser preenchido, já que nenhum
sucessor tem a mesma ascendência sobre os membros do Partido Socialista Unido
da Venezuela (PSUV) e as Forças Armadas, nem o mesmo carisma para conduzir as
massas.
Chávez morre aos
58 anos. No início de dezembro, ele viajou a Havana, Cuba, para submeter-se à
quarta cirurgia para combater o tumor diagnosticado em junho de 2011 e que
nunca foi tratado de maneira inteiramente transparente pelo governo venezuelano
– nem mesmo a localização exata do tumor foi revelada. Em 18 de fevereiro deste
ano, após 71 dias de ausência, ele anunciou seu retorno à Venezuela pelo
Twitter. No entanto, nenhuma imagem do coronel havia sido divulgada desde
então. Ele estaria recebendo tratamento no hospital militar da capital, e nesta
terça-feira o governo informou que seu estado de saúde havia sofrido uma piora
após “nova e severa infecção”.
A doença abateu um
político que vendia uma imagem de invencibilidade e que tentou mantê-la até
quando o agravamento de seu estado de saúde já mostrava que a realidade era
outra. O carismático Chávez deverá ser lembrando pelo estilo espalhafatoso –
que causou a célebre reação do Rei Juan Carlos, da Espanha, num encontro de
governantes: “Por que não te calas?” – e pela maneira como usou uma das
ferramentas da democracia, as eleições periódicas, para desmontar instituições
e concentrar poderes. Ao longo de mais de seus anos no poder, ele criou uma
milícia própria, manobrou para garantir resultados favoráveis em eleições,
confiscou empresas, perseguiu opositores e a imprensa e submeteu a Justiça aos
seus interesses.
Origens
Nascido em 28 de julho de 1954, o segundo filho de dois professores da cidade venezuelana de Sabaneta, no oeste da Venezuela, chegou a pensar em se dedicar profissionalmente ao esporte mais popular do país, o beisebol. A mudança de rumo veio depois que entrou para o Exército, aos 17 anos, com o objetivo inicial de se mudar para a capital, Caracas, onde seu talento esportivo poderia ser mais facilmente reconhecido.
Nascido em 28 de julho de 1954, o segundo filho de dois professores da cidade venezuelana de Sabaneta, no oeste da Venezuela, chegou a pensar em se dedicar profissionalmente ao esporte mais popular do país, o beisebol. A mudança de rumo veio depois que entrou para o Exército, aos 17 anos, com o objetivo inicial de se mudar para a capital, Caracas, onde seu talento esportivo poderia ser mais facilmente reconhecido.
Acabou mergulhando
no campo militar e foi um dos fundadores do grupo que ficou conhecido como
Movimento Bolivariano Revolucionário – em homenagem ao líder da independência
da Venezuela, Simon Bolívar. Começou então a organizar seus aliados para tomar
o poder. A tentativa de golpe fracassada contra o governo de Carlos Andrés
Pérez, em 1992, resultou na morte de 18 pessoas e na sua prisão. Depois de dois
anos preso, ele foi perdoado pelo presidente Rafael Caldera e libertado em
1994.
Quatro anos
depois, o coronel paraquedista assumiu o comando da Venezuela ao ser eleito com
56% dos votos. Diante de um cenário político marcado pela corrupção, Chávez
apresentou-se como um representante das classes mais baixas que promoveria uma
melhor distribuição da riqueza vinda do petróleo. De fato, a maior fonte de
recursos do país financia os programas assistencialistas conhecidos como
“misiones”, que consistem basicamente em uma fórmula para distribuir pequenas
quantias de dinheiro aos beneficiários. Há misiones de alfabetização de
adultos, de cooperativas agrícolas, de atendimento médico e de venda de alimentos
subsidiados, entre outras. Todas estabeleceram uma dependência entre a
população pobre e a figura onipresente de Chávez.
O medo de perder
os benefícios sociais ou um cargo público manteve a população fiel ao coronel,
em um estilo de governo batizado por opositores de “medocracia”. A suspeita de
que o sigilo do voto poderia ser violado buscava alicerces em momentos como o
verificado em 2004, quando aliados do presidente elaboraram uma lista com o
nome de todos os venezuelanos que foram a favor da convocação de um referendo
contra Chávez. Além disso, ao longo de seus três mandatos consecutivos, outras
irregularidades foram relatadas, como mesários votando no lugar dos eleitores
ausentes ou permitindo que militantes chavistas acompanhassem eleitores na cabine
de votação. Até sua saída de cena, as artimanhas foram alteradas, mas nunca
eliminadas.
Trajetória
Logo depois de assumir o poder, Chávez convoca um referendo em abril de 1999 e consegue autorização popular para eleger os representantes da Assembleia Constituinte que elaboraria a nova Constituição, da agora República Bolivariana da Venezuela. A Constituição acabou com o sistema legislativo bicameral – desde então, o Parlamento é dominado por aliados do presidente. Novas eleições são convocadas para julho de 2000, é Chávez é eleito com quase 60% dos votos. Pouco depois é aprovada a chamada Lei Habilitante, permitindo ao coronel governar por meio de decretos.
Logo depois de assumir o poder, Chávez convoca um referendo em abril de 1999 e consegue autorização popular para eleger os representantes da Assembleia Constituinte que elaboraria a nova Constituição, da agora República Bolivariana da Venezuela. A Constituição acabou com o sistema legislativo bicameral – desde então, o Parlamento é dominado por aliados do presidente. Novas eleições são convocadas para julho de 2000, é Chávez é eleito com quase 60% dos votos. Pouco depois é aprovada a chamada Lei Habilitante, permitindo ao coronel governar por meio de decretos.
A era Chávez foi
um período de intensa polarização no país. Os opositores, vendo na figura do
presidente uma ameaça comunista, começaram a alertar a classe média sobre os
planos de Chávez de nacionalizar toda a iniciativa privada. Já o mandatário
rotulava a oposição como “burguesa” e “oligárquica”, influenciada pelo
“imperialismo americano”.
As diferenças
ficaram evidentes em 2002, quando Chávez demitiu os gestores da PDVSA e
substituí-los por pessoas da sua confiança. A decisão associada à insatisfação
com as medidas como a desapropriação de latifúndios, o que acabou provocando
uma tentativa de golpe de estado pela oposição. Em protesto, a Fedecámaras,
entidade representante dos empresários, convoca uma greve geral para o abril,
que termina com 13 mortos. O descontentamento com a liderança de Chávez atingiu
também alguns setores do Exército, e antigos apoiadores do coronel o
abandonaram. No dia 12 de abril, um grupo de oficiais anuncia que Chávez tinha
renunciado e que o presidente da Fedecámaras, Pedro Carmona, havia assumido o
comando do país. Mas o plano deu certo apenas por 47 horas. Partidários de Chávez,
apoiados por comandantes militares, pedem a volta do mandatário e Carmona
abandona o posto. Depois de se restabelecer, Chávez passou a reprimir os meios
de comunicação independentes, com a acusação de que eles estariam distorcendo
as informações em favor da oposição.
Mas a insatisfação
resulta em novos protestos e greve geral, que afeta a produção de petróleo na
Venezuela. Afetados pelo problema interno, os Estados Unidos pressionam a
oposição por um acordo com o governo. Em 2003, uma coligação de partidos
opositores convoca um referendo sobre a permanência ou não de Chávez no poder.
A consulta popular foi realizada no ano seguinte, com a maioria dos eleitores
apoiando o mandatário – sob acusações de fraude por parte da oposição que, no
ano seguinte, boicotou as eleições parlamentares.
Em dezembro de
2006, Chávez é reeleito para um terceiro mandato, com quase 63% dos votos. No
ano seguinte, ele decide não renovar os direitos de transmissão da emissora de
TV mais popular do país, a RCTV. Governando sem oposição no Parlamento, o
caudilho ganha poderes para governar novamente por meio de decretos. Ainda em
2007, no entanto, sofre um revés quando os venezuelanos votam contra a proposta
de reforma constitucional que previa, entre outras coisas, o direito de
reeleição ilimitada para a Presidência. A derrota foi logo revertida pelo
ditador, que convocou, no ano seguinte, uma nova consulta popular para aprovar
o item que lhe permitiu perpetuar-se no poder. A aprovação, mais uma vez, foi
feita com amplo uso da máquina pública.
Em 2010, a
oposição recebeu a maioria dos votos na eleição parlamentar, mas Chávez
conseguiu garantir mais representantes do PSUV na Assembleia Nacional ao
alterar os mapas dos distritos eleitorais, dando mais peso aos votos das zonas
rurais, onde tem mais apoio.
Nas últimas
eleições presidenciais, em 7 de outubro, Chávez voltou a usar a máquina para
impor toda sorte de obstáculos à campanha do opositor Henrique Capriles,
governador do estado de Miranda. Logo depois da unificação opositora em torno
do nome de Capriles, ele foi punido com um corte no orçamento do seu estado. O
governo nacional também tirou de sua administração todos os hospitais e postos
de saúde. Ao longo da campanha, Chávez lançou mão do expediente antidemocrático
de usar a cadeia nacional para interromper transmissões de atos políticos de
Capriles pelas emissoras. E chegou até mesmo a acusar a oposição de fazer
bruxaria contra sua campanha eleitoral. Depois do resultado que assegurou um
quarto mandato ao coronel, a oposição afastou a hipótese de fraude, mas
destacou que a campanha foi feita em condições desiguais.
Bufão
Internamente, Chávez usou as emissoras de TV com desenvoltura para cantar, fazer longos discursos e palhaçadas. Essa personalidade excêntrica também foi apresentada a líderes mundiais em diversas ocasiões. Uma das mais marcantes foi seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2006, quando chamou o ex-presidente americano George W. Bush de “demônio” e recomendou a leitura de um livro de Noam Chomsky, conhecido crítico do governo dos EUA, sobre os perigos do imperialismo americano.
Internamente, Chávez usou as emissoras de TV com desenvoltura para cantar, fazer longos discursos e palhaçadas. Essa personalidade excêntrica também foi apresentada a líderes mundiais em diversas ocasiões. Uma das mais marcantes foi seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2006, quando chamou o ex-presidente americano George W. Bush de “demônio” e recomendou a leitura de um livro de Noam Chomsky, conhecido crítico do governo dos EUA, sobre os perigos do imperialismo americano.
No ano seguinte,
no entanto, ele encontrou um interlocutor com pouca paciência. O rei da
Espanha, Juan Carlos, disse a Chávez a célebre frase “¿Por qué no te callas?”,
durante uma Cúpula Ibero-Americana, em Santiago, Chile. A reação do rei ocorreu
depois que Chávez chamou o ex-premiê espanhol José Maria Aznar, um aliado de
Bush eleito democraticamente, de “fascista”.
As ações de Chávez
no exterior, contudo, foram muito além de bravatas. Além de financiar o
assistencialismo que deu origem a uma fiel base eleitoral na Venezuela, o
dinheiro do petróleo foi usado pelo ditador para comprar aliados na América
Latina, como Cuba e Bolívia. O petróleo também estreitou as relações entre a
Venezuela e a China. O governo chinês financia projetos na Venezuela e recebe
petróleo em troca. Com isso, Chávez pretendia reduzir a dependência dos Estados
Unidos, realidade da economia de seu país, a despeito do declarado
antiamericanismo do caudilho – que chegou a ser incluído no currículo das
escolas.
Em nome dos
aliados, Chávez não se constrangeu ao enviar um navio com petróleo para a Síria
em fevereiro de 2012, quando a comunidade internacional tentava isolar o
governo de Bashar Assad, e não deixou de apoiar Mahmoud Ahmadinejad mesmo com
os esforços do Ocidente para tentar dissuadir o Irã dos planos de desenvolver
armas nucleares.
A tentativa de
ampliar sua influência na América Latina – por meios tortos ou equivocados –
nunca foi abandonada. Suas ações foram desde o financiamento de insurreições
nos países vizinhos à criação da Alba (Alternativa Bolivariana para as
Américas), anunciada em 2005 como uma resposta à Alca, a área de livre-comércio
das Américas proposta pelos Estados Unidos, e que se tornou um clube de amigos
do Chávez. Em outra frente, o coronel foi grande apoiador das Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia. Documentos encontrados em poder da narcoguerrilha
colombiana revelaram que a ajuda vinha na forma de dinheiro, guarida, armas,
assistência médica.
Uma das últimas
intervenções do ditador teve como alvo o Paraguai. Chávez mandou o então
chanceler Nicolás Maduro reunir-se com a cúpula das Forças Armadas paraguaias
para incitar uma reação a favor de Fernando Lugo, que foi alvo de impeachment
em junho do ano passado. As relações entre os dois países estão estremecidas
desde então.
Doença
Desde junho de 2011, quando revelou sofrer da doença, o presidente viajou diversas vezes a Cuba para dar continuidade ao tratamento, sem detalhar sua situação. As informações sobre o câncer foram desencontradas desde o início – nem o tipo nem a localização dos tumores foram revelados com exatidão. Até mesmo os comentários de Chávez sobre o câncer oscilavam. Em um momento, ele parecia otimista e se dizia “curado”. Em outro, alertava para uma queda de ritmo. Depois, prometia voltar “com mais energia”.
Desde junho de 2011, quando revelou sofrer da doença, o presidente viajou diversas vezes a Cuba para dar continuidade ao tratamento, sem detalhar sua situação. As informações sobre o câncer foram desencontradas desde o início – nem o tipo nem a localização dos tumores foram revelados com exatidão. Até mesmo os comentários de Chávez sobre o câncer oscilavam. Em um momento, ele parecia otimista e se dizia “curado”. Em outro, alertava para uma queda de ritmo. Depois, prometia voltar “com mais energia”.
Em novembro de 2012, seis
meses depois da última sessão de quimioterapia e após ficar semanas sem
aparecer em público, ele voltou a Cuba para um tratamento especial. Oficialmente,
anunciou que as sessões de oxigenação hiperbárica “consolidariam o processo de
fortalecimento” de sua saúde. Depois de ficar mais de uma semana na ilha,
voltou à Venezuela. Porém, apenas dois dias depois, informou que viajaria
novamente a Cuba para se submeter à quarta cirurgia em 18 meses. Admitiu que a
nova intervenção cirúrgica apresentava um risco e, pela primeira vez falou em
um sucessor: o vice-presidente, Nicolás Maduro. Depois de mais de dois meses
internado em Cuba, o governo divulgou fotos do mandatário com as filhas. Ele
aparecia sorridente.
Ao longo do
tratamento, Chávez apelou para a fé. Durante a Semana Santa de 2012, o ditador
venezuelano demonstrou um fervor religioso fora do comum. Logo ele — que
costumava condenar a Igreja e toda a sua hierarquia, insultando cardeais,
bispos e até mesmo o Vaticano como instituição em seus discursos —, nesse
feriado religioso, participou de uma missa em Barinas, sua cidade natal, onde
se mostrou um católico devoto.
Chávez casou-se
duas vezes: a primeira com Nancy Colmenares, com quem teve três filhos —- Rosa
Virginia, María Gabriela e Hugo Rafael —, e a segunda com a jornalista
Marisabel Rodríguez, de quem se separou em 2003 e com quem teve uma filha,
Rosinés. Além disso, também teria mantido uma relação amorosa por cerca de dez
anos com a historiadora Herma Marksman, enquanto era casado com sua primeira
esposa.
Por Reinaldo Azevedo in http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/
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