quarta-feira, 6 de março de 2013

42 - Hugo Chávez (1954-2013)


 
Pessoal, segue um texto do jornalista Reinaldo Azevedo sobre a morte de Hugo Chávez e sua trajetória política, publicado na versão eletrônica da Veja (5 de março de 2013)

Hugo Chávez (1954-2013)

Em mais de uma ocasião, Hugo Rafael Chávez Frías disse que pretendia permanecer no poder na Venezuela até 2031. Na tarde desta terça-feira, contudo, as complicações advindas de um câncer na região pélvica abreviaram seus planos: a morte de Chávez foi anunciada pelo seu vice, Nicolás Maduro, e pôs fim a um governo que já durava 14 anos. (…) A morte deixa um vácuo difícil de ser preenchido, já que nenhum sucessor tem a mesma ascendência sobre os membros do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e as Forças Armadas, nem o mesmo carisma para conduzir as massas.

Chávez morre aos 58 anos. No início de dezembro, ele viajou a Havana, Cuba, para submeter-se à quarta cirurgia para combater o tumor diagnosticado em junho de 2011 e que nunca foi tratado de maneira inteiramente transparente pelo governo venezuelano – nem mesmo a localização exata do tumor foi revelada. Em 18 de fevereiro deste ano, após 71 dias de ausência, ele anunciou seu retorno à Venezuela pelo Twitter. No entanto, nenhuma imagem do coronel havia sido divulgada desde então. Ele estaria recebendo tratamento no hospital militar da capital, e nesta terça-feira o governo informou que seu estado de saúde havia sofrido uma piora após “nova e severa infecção”.

A doença abateu um político que vendia uma imagem de invencibilidade e que tentou mantê-la até quando o agravamento de seu estado de saúde já mostrava que a realidade era outra. O carismático Chávez deverá ser lembrando pelo estilo espalhafatoso – que causou a célebre reação do Rei Juan Carlos, da Espanha, num encontro de governantes: “Por que não te calas?” – e pela maneira como usou uma das ferramentas da democracia, as eleições periódicas, para desmontar instituições e concentrar poderes. Ao longo de mais de seus anos no poder, ele criou uma milícia própria, manobrou para garantir resultados favoráveis em eleições, confiscou empresas, perseguiu opositores e a imprensa e submeteu a Justiça aos seus interesses.

Origens
Nascido em 28 de julho de 1954, o segundo filho de dois professores da cidade venezuelana de Sabaneta, no oeste da Venezuela, chegou a pensar em se dedicar profissionalmente ao esporte mais popular do país, o beisebol. A mudança de rumo veio depois que entrou para o Exército, aos 17 anos, com o objetivo inicial de se mudar para a capital, Caracas, onde seu talento esportivo poderia ser mais facilmente reconhecido.

Acabou mergulhando no campo militar e foi um dos fundadores do grupo que ficou conhecido como Movimento Bolivariano Revolucionário – em homenagem ao líder da independência da Venezuela, Simon Bolívar. Começou então a organizar seus aliados para tomar o poder. A tentativa de golpe fracassada contra o governo de Carlos Andrés Pérez, em 1992, resultou na morte de 18 pessoas e na sua prisão. Depois de dois anos preso, ele foi perdoado pelo presidente Rafael Caldera e libertado em 1994.

Quatro anos depois, o coronel paraquedista assumiu o comando da Venezuela ao ser eleito com 56% dos votos. Diante de um cenário político marcado pela corrupção, Chávez apresentou-se como um representante das classes mais baixas que promoveria uma melhor distribuição da riqueza vinda do petróleo. De fato, a maior fonte de recursos do país financia os programas assistencialistas conhecidos como “misiones”, que consistem basicamente em uma fórmula para distribuir pequenas quantias de dinheiro aos beneficiários. Há misiones de alfabetização de adultos, de cooperativas agrícolas, de atendimento médico e de venda de alimentos subsidiados, entre outras. Todas estabeleceram uma dependência entre a população pobre e a figura onipresente de Chávez.

O medo de perder os benefícios sociais ou um cargo público manteve a população fiel ao coronel, em um estilo de governo batizado por opositores de “medocracia”. A suspeita de que o sigilo do voto poderia ser violado buscava alicerces em momentos como o verificado em 2004, quando aliados do presidente elaboraram uma lista com o nome de todos os venezuelanos que foram a favor da convocação de um referendo contra Chávez. Além disso, ao longo de seus três mandatos consecutivos, outras irregularidades foram relatadas, como mesários votando no lugar dos eleitores ausentes ou permitindo que militantes chavistas acompanhassem eleitores na cabine de votação. Até sua saída de cena, as artimanhas foram alteradas, mas nunca eliminadas.

Trajetória
Logo depois de assumir o poder, Chávez convoca um referendo em abril de 1999 e consegue autorização popular para eleger os representantes da Assembleia Constituinte que elaboraria a nova Constituição, da agora República Bolivariana da Venezuela. A Constituição acabou com o sistema legislativo bicameral – desde então, o Parlamento é dominado por aliados do presidente. Novas eleições são convocadas para julho de 2000, é Chávez é eleito com quase 60% dos votos. Pouco depois é aprovada a chamada Lei Habilitante, permitindo ao coronel governar por meio de decretos.

A era Chávez foi um período de intensa polarização no país. Os opositores, vendo na figura do presidente uma ameaça comunista, começaram a alertar a classe média sobre os planos de Chávez de nacionalizar toda a iniciativa privada. Já o mandatário rotulava a oposição como “burguesa” e “oligárquica”, influenciada pelo “imperialismo americano”.

As diferenças ficaram evidentes em 2002, quando Chávez demitiu os gestores da PDVSA e substituí-los por pessoas da sua confiança. A decisão associada à insatisfação com as medidas como a desapropriação de latifúndios, o que acabou provocando uma tentativa de golpe de estado pela oposição. Em protesto, a Fedecámaras, entidade representante dos empresários, convoca uma greve geral para o abril, que termina com 13 mortos. O descontentamento com a liderança de Chávez atingiu também alguns setores do Exército, e antigos apoiadores do coronel o abandonaram. No dia 12 de abril, um grupo de oficiais anuncia que Chávez tinha renunciado e que o presidente da Fedecámaras, Pedro Carmona, havia assumido o comando do país. Mas o plano deu certo apenas por 47 horas. Partidários de Chávez, apoiados por comandantes militares, pedem a volta do mandatário e Carmona abandona o posto. Depois de se restabelecer, Chávez passou a reprimir os meios de comunicação independentes, com a acusação de que eles estariam distorcendo as informações em favor da oposição.

Mas a insatisfação resulta em novos protestos e greve geral, que afeta a produção de petróleo na Venezuela. Afetados pelo problema interno, os Estados Unidos pressionam a oposição por um acordo com o governo. Em 2003, uma coligação de partidos opositores convoca um referendo sobre a permanência ou não de Chávez no poder. A consulta popular foi realizada no ano seguinte, com a maioria dos eleitores apoiando o mandatário – sob acusações de fraude por parte da oposição que, no ano seguinte, boicotou as eleições parlamentares.

Em dezembro de 2006, Chávez é reeleito para um terceiro mandato, com quase 63% dos votos. No ano seguinte, ele decide não renovar os direitos de transmissão da emissora de TV mais popular do país, a RCTV. Governando sem oposição no Parlamento, o caudilho ganha poderes para governar novamente por meio de decretos. Ainda em 2007, no entanto, sofre um revés quando os venezuelanos votam contra a proposta de reforma constitucional que previa, entre outras coisas, o direito de reeleição ilimitada para a Presidência. A derrota foi logo revertida pelo ditador, que convocou, no ano seguinte, uma nova consulta popular para aprovar o item que lhe permitiu perpetuar-se no poder. A aprovação, mais uma vez, foi feita com amplo uso da máquina pública.

Em 2010, a oposição recebeu a maioria dos votos na eleição parlamentar, mas Chávez conseguiu garantir mais representantes do PSUV na Assembleia Nacional ao alterar os mapas dos distritos eleitorais, dando mais peso aos votos das zonas rurais, onde tem mais apoio.

Nas últimas eleições presidenciais, em 7 de outubro, Chávez voltou a usar a máquina para impor toda sorte de obstáculos à campanha do opositor Henrique Capriles, governador do estado de Miranda. Logo depois da unificação opositora em torno do nome de Capriles, ele foi punido com um corte no orçamento do seu estado. O governo nacional também tirou de sua administração todos os hospitais e postos de saúde. Ao longo da campanha, Chávez lançou mão do expediente antidemocrático de usar a cadeia nacional para interromper transmissões de atos políticos de Capriles pelas emissoras. E chegou até mesmo a acusar a oposição de fazer bruxaria contra sua campanha eleitoral. Depois do resultado que assegurou um quarto mandato ao coronel, a oposição afastou a hipótese de fraude, mas destacou que a campanha foi feita em condições desiguais.

Bufão
Internamente, Chávez usou as emissoras de TV com desenvoltura para cantar, fazer longos discursos e palhaçadas. Essa personalidade excêntrica também foi apresentada a líderes mundiais em diversas ocasiões. Uma das mais marcantes foi seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2006, quando chamou o ex-presidente americano George W. Bush de “demônio” e recomendou a leitura de um livro de Noam Chomsky, conhecido crítico do governo dos EUA, sobre os perigos do imperialismo americano.

No ano seguinte, no entanto, ele encontrou um interlocutor com pouca paciência. O rei da Espanha, Juan Carlos, disse a Chávez a célebre frase “¿Por qué no te callas?”, durante uma Cúpula Ibero-Americana, em Santiago, Chile. A reação do rei ocorreu depois que Chávez chamou o ex-premiê espanhol José Maria Aznar, um aliado de Bush eleito democraticamente, de “fascista”.

As ações de Chávez no exterior, contudo, foram muito além de bravatas. Além de financiar o assistencialismo que deu origem a uma fiel base eleitoral na Venezuela, o dinheiro do petróleo foi usado pelo ditador para comprar aliados na América Latina, como Cuba e Bolívia. O petróleo também estreitou as relações entre a Venezuela e a China. O governo chinês financia projetos na Venezuela e recebe petróleo em troca. Com isso, Chávez pretendia reduzir a dependência dos Estados Unidos, realidade da economia de seu país, a despeito do declarado antiamericanismo do caudilho – que chegou a ser incluído no currículo das escolas.

Em nome dos aliados, Chávez não se constrangeu ao enviar um navio com petróleo para a Síria em fevereiro de 2012, quando a comunidade internacional tentava isolar o governo de Bashar Assad, e não deixou de apoiar Mahmoud Ahmadinejad mesmo com os esforços do Ocidente para tentar dissuadir o Irã dos planos de desenvolver armas nucleares.

A tentativa de ampliar sua influência na América Latina – por meios tortos ou equivocados – nunca foi abandonada. Suas ações foram desde o financiamento de insurreições nos países vizinhos à criação da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), anunciada em 2005 como uma resposta à Alca, a área de livre-comércio das Américas proposta pelos Estados Unidos, e que se tornou um clube de amigos do Chávez. Em outra frente, o coronel foi grande apoiador das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Documentos encontrados em poder da narcoguerrilha colombiana revelaram que a ajuda vinha na forma de dinheiro, guarida, armas, assistência médica.

Uma das últimas intervenções do ditador teve como alvo o Paraguai. Chávez mandou o então chanceler Nicolás Maduro reunir-se com a cúpula das Forças Armadas paraguaias para incitar uma reação a favor de Fernando Lugo, que foi alvo de impeachment em junho do ano passado. As relações entre os dois países estão estremecidas desde então.

Doença
Desde junho de 2011, quando revelou sofrer da doença, o presidente viajou diversas vezes a Cuba para dar continuidade ao tratamento, sem detalhar sua situação. As informações sobre o câncer foram desencontradas desde o início – nem o tipo nem a localização dos tumores foram revelados com exatidão. Até mesmo os comentários de Chávez sobre o câncer oscilavam. Em um momento, ele parecia otimista e se dizia “curado”. Em outro, alertava para uma queda de ritmo. Depois, prometia voltar “com mais energia”.

Em novembro de 2012, seis meses depois da última sessão de quimioterapia e após ficar semanas sem aparecer em público, ele voltou a Cuba para um tratamento especial. Oficialmente, anunciou que as sessões de oxigenação hiperbárica “consolidariam o processo de fortalecimento” de sua saúde. Depois de ficar mais de uma semana na ilha, voltou à Venezuela. Porém, apenas dois dias depois, informou que viajaria novamente a Cuba para se submeter à quarta cirurgia em 18 meses. Admitiu que a nova intervenção cirúrgica apresentava um risco e, pela primeira vez falou em um sucessor: o vice-presidente, Nicolás Maduro. Depois de mais de dois meses internado em Cuba, o governo divulgou fotos do mandatário com as filhas. Ele aparecia sorridente.

Ao longo do tratamento, Chávez apelou para a fé. Durante a Semana Santa de 2012, o ditador venezuelano demonstrou um fervor religioso fora do comum. Logo ele — que costumava condenar a Igreja e toda a sua hierarquia, insultando cardeais, bispos e até mesmo o Vaticano como instituição em seus discursos —, nesse feriado religioso, participou de uma missa em Barinas, sua cidade natal, onde se mostrou um católico devoto.

Chávez casou-se duas vezes: a primeira com Nancy Colmenares, com quem teve três filhos —- Rosa Virginia, María Gabriela e Hugo Rafael —, e a segunda com a jornalista Marisabel Rodríguez, de quem se separou em 2003 e com quem teve uma filha, Rosinés. Além disso, também teria mantido uma relação amorosa por cerca de dez anos com a historiadora Herma Marksman, enquanto era casado com sua primeira esposa.

Por Reinaldo Azevedo in http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

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