Pessoal, segue parte de um texto interessante do jornalista Reinaldo Azevedo sobre a liberdade de opinião. Ele foi publicado originalmente na edição eletrônica da Veja em 16 de março de 2011. Clique no título para ler o texto na íntegra.
Tenho afirmado e escrito freqüentemente que aprecio a democracia menos pelo valor afirmativo do sistema do que por seu valor negativo; ou seja, menos pela prevalência da vontade da maioria do que pela possibilidade de as minorias dizerem o que pensam. Afinal, nas ditaduras, também é permitido concordar. Pode-se dizer “sim” em Nova York, em Trípoli e em Pequim. A segurança para dizer “não” é que distingue os regimes.
Da mesma forma que o teste de resistência da democracia é feito por aqueles que discordam de consensos — sejam estes legítimos ou não, embasados ou não em verdades científicas —, o teste de resistência dos democratas se dá quando confrontados com idéias que consideram absurdas, irrealistas, detestáveis até. Aceitar que o outro exponha a sua “verdade”, por mais estúpida que nos pareça, testa a nossa capacidade de conviver com a diferença. Isso não significa, e meu trabalho espelha essa minha postura, que não devamos, nós também, ser, então, “detestáveis” à nossa maneira aos olhos de quem discorda de nós. É preciso dizer com clareza e destemor o que se pensa, e não com o intuito de destruir o outro, de “eliminar a contradição”, de “extirpar” o adversário.
Mas quem não quer a liberdade de expressão? Bem poucas pessoas teriam a coragem de fazer a defesa aberta da censura. Aprendemos todos que não se fazem certas coisas em público, e alinhar-se com os valores democráticos integra o rol das escolhas educadas, decorosas. Assim, raramente, ou nunca, temos a chance de nos defrontar com um inimigo da liberdade de expressão. Eles, no entanto, existem e se manifestam de forma insidiosa — não raro, recorrem a princípios consagrados pela democracia para poder solapá-la.
Uma expressão está na moda, posta para circular, sobretudo, pelas ONGs: os chamados “temas transversais”, aqueles que atravessariam várias esferas da vida e do conhecimento, transformados, em si mesmos, em valores morais inquestionáveis. O tal Programa “Nacional-Socialista” de Direitos Humanos, por exemplo, chegava a prever a cassação da licença de emissoras de rádio e televisão se ficasse caracterizado o desrespeito aos direitos humanos. Notem o truque: quem é contra os “direitos humanos”? Ninguém! Quem iria definir o que caracterizava esse respeito? Ali estava a armadilha.
Os chamados “temas transversais” costumam ser uma espécie de bula do chamado pensamento politicamente correto, que perverte o valor democrático essencial: o direito de a minoria expressar a divergência. Essa derivação pervertida transforma a proteção às minorias numa agressão aos valores universais da democracia. Não é raro ouvirmos hoje magistrados, inclusive alguns da nossa corte suprema, a afirmar que a lei deve, sim, tratar desigualmente os desiguais porque cumpriria ao juiz corrigir injustiças que a sociedade a tempo não corrigiu.
Ora, numa democracia, o princípio que estabelece que todos os homens são iguais perante a lei não busca ofuscar a condição dos graúdos, mas estabelecer uma instância — a Justiça — em que o pequeno não será punido porque pequeno nem poupado de seus crimes; em que o grande não será protegido porque grande, mas também não terá seus direitos aviltados por isso.
Como justificar, por exemplo, a concessão de cotas raciais à luz da Constituição brasileira se não por intermédio de valores, e ninguém conseguiria provar o contrário, ausentes em nossa Constituição? Agride-se o princípio fundamental da igualdade dos homens perante a lei argumentando-se a aplicação dos fundamentos do Artigo 3º, a saber:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
Será lícito, no entanto, aplicar o que prevê os três incisos discriminando pessoas, seja essa discriminação positiva ou negativa? O inciso seguinte do mesmo artigo responde:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O debate das cotas, no entanto, foi interditado. O Estatuto da Igualdade Racial aprovado pelo Congresso, embora na sua versão mitigada, coleciona uma penca de agressões à Constituição. Em breve, outro tema voltará ao debate: a chamada lei que criminaliza a homofobia. Não duvido de que as pessoas empenhadas em sua aprovação tenham o propósito de combater a discriminação, mas o texto agride, de maneira inequívoca, a liberdade de expressão. Uma simples opinião que possa ser caracterizada como “ação vexatória de ordem filosófica” — seja lá o que isso signifique — pode render cadeia. O crime será considerado inafiançável e imprescritível.
A patrulha politicamente correta, orientada pelo espírito da reparação e da correção das desigualdades e das injustiças, constitui-se numa verdadeira polícia do pensamento. Agride a liberdade de expressão e, muitas vezes, agride os fatos, impedido até mesmo a avaliação da eficiência de determinadas políticas públicas.
Na entrevista publicada pela VEJA, na semana passada, o professor americano de economia Walter Williams, negro, afirma:
“Antes, uma menina grávida era uma vergonha para a família. Hoje, o estado de bem-estar social premia esse comportamento. O resultado é que, nos anos da minha adolescência, entre 13% e 15% das crianças negras eram filhas de mãe solteira. Agora, são 70%.”
Por Reinaldo Azevedo
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