NICHOLAS
WADE - Folha de São Paulo (18/09/2016)
Abaixo, um trecho de Uma Herança Incômoda, de Nicholas Wade,
que será lançado no final do mês pelo selo Três Estrelas. A obra se baseia em
estudos sobre as relações entre genética, raças e instituições. Embora contra a
eugenia, o autor foi severamente criticado, até mesmo por autores em que o
livro se apoia.
A visão que os economistas geralmente sustentam do desenvolvimento
econômico é que as pessoas têm pouco ou nada a ver com ele. Como todos os
humanos são unidades idênticas que respondem da mesma maneira a incentivos, ao
menos na teoria econômica, se um país é pobre e outro rico, a diferença não
teria nenhuma ligação com as pessoas, devendo residir nas instituições ou no
acesso a recursos. Basta uma oferta suficiente de capital e a imposição de instituições
favoráveis aos negócios, e um robusto crescimento econômico certamente se
seguirá. Fortes evidências desse efeito parecem ter sido apresentadas pelo
Plano Marshall, que ajudou a reviver as economias europeias após a Segunda
Guerra Mundial.
Com base nessa teoria, o Ocidente gastou cerca de 2,3 trilhões de
dólares em assistência ao longo dos últimos cinquenta anos, sem conseguir
melhorar os padrões de vida da África. Será que alguma coisa está errada na
teoria? E se as unidades humanas das economias mundiais não forem tão
completamente fungíveis quanto supõe a teoria econômica, com a consequência de
que variações em sua natureza, como sua preferência temporal, sua ética de
trabalho e sua propensão à violência, têm algum peso nas decisões econômicas que
elas tomam?
Para explicar a discrepância entre teoria e prática, alguns estudiosos
interessados em desenvolvimento começaram a sugerir que talvez, no fim das
contas, as pessoas façam diferença. A sugestão deles é que a cultura desempenha
um papel importante no comportamento econômico das pessoas.
No começo dos anos 1960, Gana e a Coreia do Sul tinham economias e
níveis de PIB per capita similares. Cerca de trinta anos depois, a Coreia do
Sul tornou-se a 14ª maior economia do mundo, exportando manufaturas sofisticadas.
Gana estagnou, e o PIB per capita é quinze vezes menor do que o da Coreia do
Sul. "Pareceu-me que a cultura tinha de ser uma parte importante da
explicação", observou o cientista político Samuel Huntington ao considerar
essa divergência de destinos econômicos.
"Os sul-coreanos valorizavam a poupança, o investimento, o trabalho
duro, o estudo, a organização e a disciplina. Os ganenses tinham valores
diferentes."
Até o economista Jeffrey Sachs, proponente incansável do aumento da
assistência, admitiu a possibilidade de que a cultura possa desempenhar algum
pequeno papel nas diferenças de desenvolvimento econômico. Ainda que "as
grandes divisões entre países ricos e países pobres tenham a ver com geografia
e com política", escreve, "há, de fato, sugestões de fenômenos
mediados culturalmente. Dois são evidentíssimos: o desempenho abaixo do
esperado dos países islâmicos do norte da África e do Oriente Médio e o grande
desempenho de países tropicais na Ásia oriental que possuem uma importante
comunidade da diáspora chinesa".
Porém, se a cultura consegue explicar o desempenho econômico em alguns
poucos grupos, ela poderia ter um papel importante em todas as economias. Os
estudiosos temem estudar mais o assunto porque não estão realmente usando a
cultura apenas em seu sentido aceito de comportamento aprendido. Antes,
trata-se de um termo abrangente que inclui referências possíveis a um conceito
que eles não ousam discutir, a possibilidade de que o comportamento humano
tenha uma base genética que varia de uma raça para outra.
O sociólogo Nathan Glazer, por exemplo, quase admite que a cultura e a
raça são variáveis explicativas válidas, que, no entanto, não podem ser usadas.
Escreve ele:
"A cultura é uma das categorias explicativas menos favorecidas no
pensamento atual. A menos favorecida, claro, é a raça. Preferimos não
mencioná-la nem usá-la hoje em dia, embora pareça haver uma ligação entre raça
e cultura, talvez apenas acidental. As grandes raças, no todo, são marcadas por
culturas diferentes, e essa conexão entre cultura e raça é um motivo do nosso
desconforto com explicações culturais."
Diversos comportamentos sociais que os economistas identificaram como
obstáculos ao progresso poderiam perfeitamente ter base genética. Um deles é o
raio de confiança, que pode estender-se a estranhos nas economias modernas, mas
que, nas pré-modernas, fica limitado à família ou à tribo. Escreve Daniel
Etounga-Manguelle, economista camaronês:
"Vistas por dentro, as sociedades africanas são como um time de
futebol no qual, como resultado de rivalidades pessoais e da ausência de
espírito de equipe, um jogador não passa a bola para outro por medo de que este
faça um gol. Como podemos ter esperança de vitória? Nas nossas repúblicas, as
pessoas de fora do "cimento" étnico têm tão pouca identificação umas
com as outras que a simples existência do Estado é um milagre."
A disposição de poupar e de retardar a gratificação é um comportamento
social que Clark vê aumentar gradualmente na população inglesa nos 600 anos que
antecedem a Revolução Industrial. Por outro lado, a propensão para poupar
parece consideravelmente menor em sociedades tribais. Isso pode ocorrer, em
grande medida, porque essas sociedades são mais pobres; cada qual vai poupando
mais à medida que enriquece. Porém, a aversão a poupar em sociedades tribais
está associada a uma forte propensão ao consumo imediato. Citando outra vez
Etounga-Manguelle:
"Por causa da relação que os africanos têm com o tempo, poupar para
o futuro têm prioridade menor do que o consumo imediato. A menos que haja
alguma tentação de acumular riqueza, aqueles que recebem um salário regular
precisam financiar os estudos de irmãos, de primos, de sobrinhos e de
sobrinhas, alojar os recém-chegados e financiar a série de cerimônias que
preenchem a vida social."
Há indícios razoáveis de que a confiança tem base genética, embora ainda
esteja por ser verificado se ela varia significativamente entre grupos étnicos
e raças. Os aspectos da cultura que alguns economistas começaram a considerar
relevantes para a performance econômica poderiam perfeitamente ter base
genética, mesmo que isso ainda precise ser provado ou mesmo investigado com
seriedade. O comportamento social, qualquer que seja seu nível de fundamentação
cultural ou genética, pode ser modulado pela formação e pelos incentivos; por
isso, um entendimento melhor de seu papel na performance econômica pode ter
consequências práticas. Aqueles que ignoram a cultura também ignoram "uma
parte importante da explicação de por que algumas sociedades ou grupos étnico-religiosos
têm melhor desempenho do que outros no que diz respeito a governo democrático,
justiça social e prosperidade", escreve o especialista em desenvolvimento
Lawrence Harrison.
O elo entre raça e cultura fica evidente no famoso experimento natural
iniciado pelas migrações humanas. Membros de várias raças migraram para
diversos ambientes, mas mantiveram seus comportamentos peculiares em muitos
países ao longo de muitas gerações. O economista Thomas Sowell documentou
muitos desses episódios em sua trilogia sobre raça e cultura.
Consideremos o caso dos imigrantes japoneses nos Estados Unidos. Eles
chegaram como trabalhadores agrícolas no Havaí ao final do século 19 para
trabalhar na lavoura de cana e depois mudaram-se para o continente. A primeira
geração era de agricultores e de trabalhadores domésticos e conquistou fama por
seu esforço. A segunda geração, com a vantagem da formação universitária
americana, buscou aprender profissões. Em 1959, a renda familiar dos japoneses
americanos era igual à dos europeus americanos, e em 1990 era 45% maior.
No Peru, os trabalhadores japoneses conquistaram fama por seu esforço,
por sua confiabilidade e por sua honestidade, tornando-se bem-sucedidos no
setor agropecuário e na indústria. No Brasil, os japoneses foram considerados
eficientes, industriosos e ordeiros. À medida que prosperavam, entraram no
setor bancário e na indústria e chegaram a possuir terras, no Brasil, em
quantidade equivalente a 75% do território do Japão. Nessas três culturas
diferentes, os japoneses tiveram sucesso graças a hábitos diligentes de
trabalho, com a primeira geração composta de agricultores prodigiosos e a
segunda passando ao mundo profissional.
A diáspora chinesa compunha-se de imigrantes igualmente produtivos, em
especial no Sudeste Asiático, onde a maioria trabalhou infatigavelmente e
ergueu empresas. A maioria dos imigrantes chineses começou como colonos em
fazendas, com uma capacidade enorme para trabalhar duro. Na Malásia, os
chineses que realizavam trabalho não qualificado junto com os malaios nas
plantações de borracha produziam duas vezes mais. Já em 1794, um relatório
britânico sobre o assentamento malaio de Penang dizia que os chineses eram
"a parte mais valiosa dos nossos habitantes".
As empresas chinesas eram tipicamente familiares, tanto no capital
quanto no gerenciamento, mesmo quando se tornavam corporações de tamanho
considerável. Elas se aferravam a seus próprios valores e à sua ética de
trabalho entre populações que muitas vezes tinham uma visão mais relaxada de
como se deveria passar o tempo.
No Caribe, escreve Sowell, os chineses "permaneceram à parte do
sistema de valores da sociedade das Índias Ocidentais –não foram afetados pelos
padrões creoles de consumo ostensivo, de distribuição dadivosa, de perdão de
dívidas e outros traços que operam contra o sucesso empresarial".
Pequenas populações chinesas na Tailândia, no Vietnã, no Laos e no
Camboja vieram a ter um peso desproporcional nas economias desses países. Elas
dominaram a próspera economia de Cingapura e foram tão produtivas na Indonésia
que seu sucesso provocou inveja e repetidos massacres. Em 1994, os 36 milhões
de chineses que trabalhavam no exterior produziam tanta riqueza quanto o bilhão
de chineses na China.
A imigração significativa de chineses para os Estados Unidos começou em
1850, com a corrida do ouro na Califórnia. Com frequência, os chineses só
tinham permissão para garimpar aquelas áreas que os demais consideravam não
valer a pena, mas mesmo assim eles persistiram e floresceram onde outros não
conseguiram. Os trabalhadores chineses construíram boa parte da estrada de
ferro Central Pacific e chegaram a compor 80% de todos os trabalhadores
agrícolas da Califórnia.
Seu sucesso provocou uma série de leis discriminatórias defendidas por
aqueles que não conseguiam competir com eles. Excluídos de uma indústria após a
outra, em 1920 mais da metade de todos os chineses nos Estados Unidos
trabalhavam em lavanderias e em restaurantes. Assim que as leis adversas foram
revogadas, uma geração mais jovem de sino-americanos começou a frequentar a
faculdade e a obter trabalhos profissionais. Em 1959, a renda familiar chinesa
estava no mesmo nível da média americana, e em 1990 a sua renda familiar média
era 60% mais alta do que a dos americanos não asiáticos.
NICHOLAS WADE, 74, jornalista britânico, trabalhou no "The New York Times".